Título: O caos além da privatização dos aeroportos
Autor: Batista, Henrique Gomes; Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 12/02/2012, Economia, p. 44

Passageiros ainda devem sofrer com controle aéreo ineficiente, atrasos de voos e filas de empresas aéreas, PF e Receita

Mesmo que os terminais fiquem perfeitos e funcionem como relógios, há questões que hoje atordoam os passageiros e não serão resolvidas automaticamente com as privatizações. O controle aéreo ainda continuará estatal - e ineficiente, com equipamentos ultrapassados que inviabilizam pousos e decolagens em condições meteorológicas perfeitamente contornáveis em outros países. Os atrasos de voos devem persistir, com problemas nos aeroportos que não foram privatizados ou por causa das companhias aéreas, pois os aviões hoje fazem diversas escalas e estão sujeitos a efeito cascata. As malas podem tardar horas para serem entregues, seja por questões das aéreas ou da fiscalização da Receita Federal.

As filas quilométricas da Polícia Federal, na chegada ou na saída de voos internacionais, não se alteram pela simples entrada dos novos operadores dos aeroportos. E, sem transporte público eficiente, chegar aos terminais continua a ser uma loteria em cidades com trânsito. Além de ser um acesso caro onde o táxi passa a ser quase a única opção de transporte "coletivo". Isso sem contar os problemas paralelos, por exemplo o excesso de urubus nos lixões próximos às pistas dos aeroportos trazendo riscos, como no Galeão.

Aeroporto privatizado pode revelar falhas dos demais

- Em um sistema complexo como o aéreo, onde há muitos agentes, qualquer ganho de eficiência de um elemento pode descortinar a ineficiência dos demais - afirma Paulo Resende, professor e coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral.

Para ele, o maior risco ao sucesso dos aeroportos privatizados não é a capacidade de investimento dos consórcios vencedores - que terão de fazer frente à elevada outorga que pagarão ao governo, 600% superiores ao estimado pelo governo - ou a problemas empresariais de alguns vencedores:

- O maior risco está na aprendizagem do modelo, algo que não existe no Brasil, e, principalmente, no limite de responsabilidade entre os diversos agentes de um aeroporto, onde será necessário muita integração e onde há risco de muitos conflitos.

Ele acredita que há riscos dos papéis se misturarem, e que isso sirva de desculpa para alguns problemas, onde agentes diversos podem ficar empurrando responsabilidades entre si, prejudicando os usuários.

Anac: papel de integrador é maior que o de fiscalizador

Para Resende, nesse cenário, o papel da Anac será maior que o de outras agências:

- O papel da Anac, ao menos nesse começo, será de integrar esses agentes, mais até que fiscalização. De certa maneira será algo semelhante à Aneel na época da privatização do setor elétrico.

Mas ele acredita que o país vai aprender e conviver com esse cenário, já que não há outra alternativa. Para Resende, contudo, um novo nível de serviço em todo o setor aéreo só será alcançado no fim da década:

- Quem espera que até 2014 tudo esteja em outro patamar pode se decepcionar. Acredito que isso será conquistado até o fim da década. Embora as concessionárias não tenham como fugir da responsabilidade de melhorar o nível de atendimento até os grandes eventos esportivos. Mas vai demorar até o grande legado das privatizações ser visto.

Renaud Barbosa, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresa, da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que de nada adianta investir em melhorias terrestres se o controle aéreo não investe para ampliar a capacidade:

- Isso deveria ser visto em conjunto em um modelo de privatização. Aviões parados no pátio, porque são poucos controladores de voo, não vão reduzir impactos negativos. Por isso, é preciso investir em treinamento, sobretudo no aperfeiçoamento da língua inglesa, e na criação de convênios para elevar a capacidade de controlar o tráfego. Assim, os aeroportos também estão aptos a receber mais frequências de voos.