Título: No Ibirapuera, meninos se tornam michês prara conseguir drogas
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 12/02/2012, O País, p. 4

Corpos franzinos se misturam aos 'profissionais' nos pontos de prostituição

flavio@sp.oglobo.com.br

EXPLORAÇÃO SEXUAL

SÃO PAULO. J. tomava cerveja enquanto ensaiava passos de dança com alguns colegas no chamado Autorama, estacionamento do Parque Ibirapuera, em São Paulo, onde gays e lésbicas se divertem ao mesmo tempo em que garotos - muitos menores de idade - se prostituem nas barbas da polícia. Corpo franzino, camiseta jogada no ombro, sorriso malicioso e um rosto marcado pelas espinhas denunciam que o menino começou precocemente, "só por diversão", a ganhar uns trocados fazendo programa sexual.

J. tem só 15 anos, assim como outros dois colegas que, na madrugada da última sexta-feira, o acompanhavam na balada. Era ao som de Rihana e Beyoncé, disparado das caixas de som do porta-malas de um Fiat Uno caindo aos pedaços, que o garoto se colocava à disposição de homens em busca de sexo pago.

De família evangélica, morador da Vila Industrial, a 40 quilômetros dali, aluno do ensino médio, J. não se vê como os garotos de programa "profissionais" do Autorama. Acredita que tem "outra postura em relação à vida".

- Eu venho aqui para me divertir, dançar e ver "as colegas". Agora, se alguém quiser dar uma graninha para o bebê aqui, por que eu não vou aceitar? - indaga.

Filho único de pai motorista de ônibus e mãe dona de casa, J. diz que nunca pensou em ganhar a vida como os garotos que dizem faturar até R$ 150 pelo programa. Mas, sem perceber, a oportunidade tem feito dele um michê como os outros.

Madrugada adentro, a circulação de carros pelas ruas demarcadas dentro do estacionamento (o vaivém de veículos em zigue-zague deu o apelido ao local) começa a crescer. A exposição de corpos mais franzinos do que sarados ganha evidência. Também por ali, C. já deixou a adolescência há tempos. Aos 29 anos, conta que a presença de menores naquela área é mais comum do que se imagina.

- São meninos que parecem ter saído de casa escondidos dos pais. Eles querem um dinheirinho para comprar droga. Assim que conseguem, vão embora. Mas sempre voltam - diz C. Ao GLOBO, os guardas municipais admitem dificuldade para afastar os menores do local.

- Muitos desses meninos têm 14, 15, 16 anos, só que são sarados, grandes, nem parecem menores de idade. E quando a gente aborda, eles dizem que estão sem documento ou que está na bolsa de uma amiga, enfim... - disse um dos policiais que na sexta-feira fazia par com um colega na vigilância do Autorama.

Mais uma hora no Autorama e um Land Rover se aproxima de J. Com quase meio corpo para dentro do carro, o garoto parece negociar o programa tranquilamente, entre gargalhadas. Ele entra no carro, e logo o veículo atravessa a guarita (sem guarda) na saída do estacionamento.