Título: Cobertor para todo mundo
Autor: Azedo, Luiz Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2009, Política, p. 7

Governador do Espírito Santo defende que a distribuição dos dividendos da exploração de petróleo na camada pré-sal deve ser generosa para estados produtores e não produtores

O governador capixaba, Paulo Hartung, (PMDB) administra um dos estados produtores de petróleo do pré-sal, que está a 72 quilômetros da costa do Espírito Santo, no Parque das Baleias, uma das regiões mais promissoras para a exploração do insumo pela Petrobras. Solidário com o governador fluminense Sérgio Cabral, seu colega de legenda, Hartung avalia que há condições de resolver o problema da partilha dos recursos do pré-sal com os estados não produtores sem desrespeitar o princípio constitucional que garante aos estados produtores uma participação especial na distribuição dos royalties de petróleo. ¿Criou-se um cabo de guerra artificial, que precisa ser desmontado¿, argumenta.

Segundo Hartung, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os governadores dos estados produtores ¿ Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo ¿ chegaram a um denominador comum sobre a participação especial, mas o debate decisivo será mesmo no Congresso, por causa da reação dos estados do Norte e do Nordeste, que são contrários à questão. ¿Precisamos estabelecer a racionalidade e não permitir que a disputa de 2010 contamine esse debate¿, adverte. Cardeal do PMDB, Hartung considera um erro antecipar o calendário eleitoral. ¿Coisas feitas na hora errada tendem a dar errado.¿

O número 100% Índice de aproveitamento das seis perfurações realizadas na camada pré-sal no Espírito Santo

Cobertor para todo mundo

Como o Espírito Santo recebeu o marco regulatório do pré-sal? O Espírito Santo foi muito penalizado na sua história. Depois da chegada dos portugueses, o estado ficou paralisado por quase 300 anos, com pequenas atividades econômicas. Era uma barreira de proteção natural às riquezas de Minas Gerais, cujo acesso era feito a partir do Rio de Janeiro, através da chamada Estrada Real. Só reagiu quando Dom Pedro II enviou grupos europeus para cá, desenvolvendo a monocultura do café. A industrialização ocorreu apenas na década de 1960, com a construção do Porto de Tubarão, uma porta de saída do minério de ferro de Minas. A riqueza do petróleo e do gás, que ainda não chegou, já criou enorme expectativa e gerou demandas sociais, de infraestrutura, e alguns impactos ambientais. As reservas são significativas, tanto de petróleo como de gás.

E a produção, quando começa? Fomos o primeiro estado a produzir de forma experimental no pré-sal, num campo que fica abaixo de Jubarte, no Parque das Baleias, mas temos uma pequena produção de petróleo, de cento e poucos mil barris por dia. Na verdade, a participação do estado como produtor na riqueza do petróleo é uma possibilidade de revertermos séculos de atraso. Nossa industrialização é tardia, a diversificação da economia é tardia. Nós montamos um plano estratégico para 2025, um olhar para o futuro, e focamos na ideia de que esse dinheiro é passageiro, de que a produção é finita, e precisamos priorizar esse dinheiro na formação de capital humano em nosso estado.

O planejamento sofrerá alterações com a mudança na legislação? Não sabemos o que vai sair do Congresso. Tivemos uma vitória relevante, que foi a negociação com o presidente Lula no sentido de não subtrair dos estados produtores aquilo que eles conquistaram na Constituição e nas leis que a regulamentaram, mas sabemos que o debate decisivo será no Congresso Nacional.

Não há certo egoísmo dos estados produtores quanto a partilha dos royalties? Foi produzido um cabo de guerra artificializado. Os projetos criam uma estatal, o novo sistema de partilha, um fundo soberano para que o país não seja inundado de dólares e também capitalizam a Petrobras. Grosso modo, há uma fantasia de que o fundo social vai dividir dinheiro para os estados, mas não. O fundo soberano é para não permitir que a economia brasileira seja inundada de dólares e se desindustrialize, para evitar que a gente siga o mau caminho da Venezuela. Compartilhar recursos com o Brasil não tem oposição dos estados produtores, mas isso precisa ser pactuado de acordo com os princípios federativos. Aliás, aqui no Espírito Santo, há três anos, criamos um fundo de desenvolvimento regional em que 30% dos royalties que são pagos ao governo do estado são distribuídos para os municípios que não são produtores de petróleo e não recebem royalties. Uma equação interessante: o inverso da distribuição do ICMS, ponderado pelo número de habitantes.

O que seria essa partilha pactuada? O comando constitucional, artigo 20, parágrafo 1º, manda dar um tratamento diferenciado aos estados produtores porque sofrem o impacto dessa produção. Aqui no Espírito Santo, a produção de pré-sal está a 72 quilômetros de nosso litoral, diga-se de passagem, no mesmo lugar onde está a produção do pós-sal, que paga royalties e participações especiais. Ela chega a 300 quilômetros lá em Tupi. Há muita neblina nessa discussão, com interesses inconfessáveis.

A disputa de 2010 está contaminando a discussão? Eu queria dizer o contrário: a disputa de 2010 não deve contaminar a discussão, seria um equívoco brutal. O PSDB montou o atual marco regulatório, que é exitoso. A ministra Dilma reconheceu o êxito desse marco regulatório no seu discurso, no dia do lançamento do pré-sal. Conversei com o governador José Serra sobre o tema. Ele é a favor do fundo soberano e também que se aumente a participação governamental na renda do petróleo. Temos a mesma visão: aumentou o preço do barril do petróleo e diminuiu o risco exploratório na área de pré-sal, o que é uma nova situação. De 32 perfurações feitas até agora na área de pré-sal, segundo a Petrobras, houve êxito em 87%. No Espírito Santo, até agora, são seis perfurações, todas com êxito. Faz sentido uma mudança para ampliar a participação governamental na renda do petróleo. Faz sentido o fundo soberano. O que precisamos é desarmar esse falso cabo de guerra. Há espaço para negociação entre governo e oposição, estados produtores e não produtores, governo federal e a Federação. Temos que encontrar um bom caminho de negociação. Nesse aspecto, o olhar voltado só para as eleições é ruim.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, tem razão? Desde o início dessa discussão, expressei o pensamento de que a reconstrução do Rio de Janeiro não é tarefa apenas dos cariocas. É uma tarefa de todos os brasileiros. O Rio é um estado que perdeu muito ao longo dos últimos anos e a indústria do petróleo e do gás é uma única janela de oportunidades para mudar esse quadro do Rio. Não só com extração e produção, mas com as cadeias do ciclo de produção, a conversão de plataformas, a construção de sondas e áreas de serviços de suporte à produção de petróleo.

Mas há uma posição mais dura dos estados do Nordeste... É melhor construirmos um debate político com generosidade. Esse é o pano de fundo das relações federativas no Brasil. Se for simplesmente o tensionamento artificial, pode-se perguntar: por que um estado que não tem petróleo está recebendo uma refinaria? Eu nunca entrei nessa luta de ¿a refinaria é nossa¿. A indústria de petróleo tem que desenvolver todo o Brasil e ajudar a vencer os obstáculos de um desenvolvimento regional torto. Por que o estaleiro está indo para tal lugar? Essa pergunta não deve ser feita, na minha opinião. A distribuição do Fundo de Participação Especial e do próprio Fundo de Participação de Municípios foi construída a várias mãos pelo Congresso. Naquela época, os indicadores do Espírito Santo eram semelhantes aos do Norte e do Nordeste.

O senhor acredita num acordo entre estados produtores e não produtores? Confio muito no debate no Congresso. Eu já fui congressista duas vezes, estive na Câmara e no Senado, e acho que esse cabo de guerra artificializado vai desaparecer rapidamente. Acredito em um debate racional. A riqueza vai aumentar, é evidente que esse cobertor é maior e dá para cobrir a todos. É possível manter as compensações garantidas na Constituição aos estados e municípios produtores. Precisamos de mais racionalidade.

O senhor é um dos cardeais do PMDB, que ainda está indefinido em relação à sucessão do governo Lula. Como o senhor se posiciona? Não sou cardeal do partido, sou coroinha. Eu estou na política desde o movimento estudantil. Comecei minha atividade no movimento social. Sou um quadro formado pelo Partidão. Mesmo que a gente queira, não dá para mudar o calendário político. O que quero dizer isso? Que não adianta a gente tentar decidir as coisas antes da hora apropriada. Você pode forjar um nome para ser apresentado lá na frente, tudo é possível, mas a eleição se dará apenas no ano que vem. Só em março, teremos o primeiro momento do calendário eleitoral, quando saberemos quem se desincompatibiliza, quem vai disputar cargos. Aí é que a roda começa a girar. Na política, quando você faz tudo na hora certa, tem alguma chance de dar certo. Quando você faz na hora errada, tem tudo para dar errado.

De 32 perfurações que foram feitas até agora na área de pré-sal, segundo a Petrobras, houve êxito em 87%. Aqui no Espírito Santo, até agora, são seis perfurações, todas com êxito. Faz sentido uma mudança para ampliar a participação governamental na renda do petróleo¿

A indústria de petróleo tem que desenvolver todo o Brasil e ajudar a vencer os obstáculos de um desenvolvimento regional torto¿