Título: Fogo amigo faz mais fumaça
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2009, Brasil, p. 8

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, vai ao Congresso, mantém discurso duro e mostra que a paz com os colegas de governo em temas espinhosos como índices de produtividade e desmatamento está longe do fim

Conhecido por protagonizar duras divergências com os colegas de Esplanada Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e Carlos Minc (Meio Ambiente), o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, deixou mais uma vez o seu recado. Durante visitas à comissão de Agricultura do Senado e a um seminário sobre código ambiental na Câmara, Stephanes demonstrou que se depender dele não haverá trégua na discussão de assuntos polêmicos dentro do próprio governo, como a atualização dos índices de produtividade (IP), as mudanças no código florestal e o desmatamento na Amazônia.

Não é de hoje que o ruralista bate de frente com integrantes do primeiro escalão ministerial. A relação conturbada vem desde que assumiu o cargo, em março de 2007, quando já armava o embate com a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sobre a expansão do agronegócio. As brigas com Marina em torno do plantio de cana-de-açúcar em áreas degradadas da Amazônia para fabricação de etanol, entre outros temas espinhosos, tornaram-se uma pedra no sapato da ambientalista, que cedeu à pressão, entregando o cargo em maio de 2008.

Sem aliados no governo, Stephanes tenta se agarrar à tábua de salvação dos índices de produtividade e no código florestal perante a bancada ruralista para não perder força política. Com a proximidade das eleições ¿ seu estado, o Paraná, é essencialmente agrícola ¿, contribuir com o governo para aprovação dos índices de produtividade lhe custaria muito caro. Para afinar o discurso, ele se reuniu há duas semanas com a bancada do partido.

Os IPs são regidos por uma lei federal e têm como objetivo definir se uma propriedade é produtiva ou não, mas o método que calcula essa produtividade está desatualizado há 30 anos. A defasagem serviu para que os movimentos sociais do campo cobrassem do governo uma atitude, como a disponibilização das terras improdutivas para a reforma agrária. Há cerca de três semanas, eles conseguiram o comprometimento de Cassel e do ministro da Secretaria-Geral da presidência da República, Luiz Dulci, para a revisão dos índices, mas se depender dos ruralistas a intenção não sairá do papel.

¿A agricultura tem problemas sérios que está enfrentando, como preços abaixo do mercado para vários produtos. Por isso, deveríamos discutir mais políticas para socorrer esses produtores e não criar mais mecanismos de insegurança no campo com uma medida como essa¿, criticou Stephanes.

Amazônia

Outro embate que o minsitro da Agricultura trava com os ambientalistas diz respeito à condição que o setor enfrenta hoje de ser taxado como o culpado pelo desmatamento na Amazônia. Ontem, no Congresso, ele sustentou que o setor ajudará a mudar essa imagem e para isso vai fazer a sua parte. ¿Chega de dizerem por aí que a agricultura é responsável pelo desmatamento na Amazônia. Estamos conversando com produtores, frigoríficos e com o governo do Pará, de modo a trabalhar essa questão entre o setor e não precisar contar com o Meio Ambiente, porque lá a conversa é sempre difícil¿, comentou.

A proposta, que está sendo elaborada há oito meses, vai tratar especificamente do desmatamentro provocado pela pecuária e deve sair em breve para ser avaliada pelo presidente Lula. Sobre a discussão do código florestal, Stephanes adianta que o ministério já tem a proposta fechada com o setor e que não abrirá mão de discutir intensamente com a sociedade antes da aprovação presidencial. ¿Não poderemos admitir que essa proposta atual que pregam os ambientalistas passe sem discutir o que ela representa de prejuízos para setor. Só de agricultores que estarão em condição irregular a partir dessa nova lei serão 3 milhões em todo o país. Fora 1 milhão deles que terá que deixar suas propriedades¿, completou.

Briga interminável

A divergência do governo em torno do que é prioridade na agenda ambiental federal dificulta a relação do Ministério do Meio Ambiente perante os demais ministérios, como o da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Um dos casos mais emblemáticos foi o embate entre a então ministra Marina Silva e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, por conta de políticas que batiam de frente com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a liberação dos transgênicos, por exemplo.

Assumindo a nova missão de conciliar os interesses do governo, o novo ministro, Carlos Minc, entrou para dar continuidade ao legado de Marina. Pouco mais de um mês após assumir a pasta, Minc começou a sentir a pressão da bancada ruralista, que chegou a pedir a sua cabeça por conta de uma declaração feita em uma mobilização social, na Esplanada dos Ministérios, em que criticou o setor. Com a crise instalada no governo, Minc deu recado que continuaria ¿firme¿ com o plano de combate a crimes ambentais e a criação de unidades de conservação. Após vários rachas com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, preferiu adotar a decisão de não rebater as críticas do ruralista para ¿não gerar mais polêmica¿, como ele mesmo fez questão de frisar. A reclusão é também uma estratégia de Minc, que já teria sinalizado a intenção de reatar o diálogo com a pasta da Agricultura para evitar desgastes na imagem. (DS)

Personagem da notícia Um velho conhecido J. Freitas/Agência Senado Stephanes: ¿Deveríamos discutir políticas para socorrer os produtores e não criar mecanismos de insegurança¿

Reinhold Stephanes não é apenas um velho conhecido dos ruralistas ¿ trabalhou no Ministério da Agricultura como secretário do Planejamento e ocupou o cargo de diretor do Incra, ambos na década de 70 ¿, mas também da política nacional. O atual ministro da Agricultura assumiu a pasta da Previdência e Assistência Social em duas ocasiões: de janeiro a outubro de 1992 e de janeiro de 1995 a abril de 1998. Ou seja, durante os governos Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso.

Na administração Lula, logo ao assumir a pasta da Agricultura, em 2007, em substituição ao engenheiro agrônomo Luís Carlos Guedes Pinto, o ministro sofreu resistência da bancada ruralista que já tinha seus favoritos, como os peemedebistas Valdir Colatto (SC) e Waldemir Moka (MS).

Atualmente, segundo avaliam integrantes da base governista, está em situação razoavelmente confortável com o setor no Congresso ao defender temas de interesse da categoria. Tem como desafio priorizar os gastos na concentração de pesquisa agropecuária, defesa sanitária, seguro rural, além de criar condições de apoio para a comercialização, infraestrutura e logísitca. (DS)

Chega de dizerem por aí que a agricultura é responsável pelo desmatamento na Amazônia. Estamos conversando de modo a trabalhar essa questão e não precisar contar com o Meio Ambiente, porque lá a conversa é sempre difícil¿