Título: Não há alternativas senão as sanções
Autor: Roldão, Rafael
Fonte: O Globo, 16/02/2012, O Mundo, p. 34
Ministro alemão defende embargo a Teerã, diz que Assad deve sair e acusa Rússia de estar do lado errado da História
CRISE COM O IRÃ
ENTREVISTA
Guido Westerwelle
Em 2010, os documentos secretos da diplomacia americana publicados pelo WikiLeaks descreveram o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, como detentor de uma personalidade forte, às vezes mais preocupado com seus interesses pessoais e capaz até de entrar em confronto com a chanceler Angela Merkel. Em entrevista num hotel no Rio, durante sua terceira visita oficial ao Brasil, Westerwelle fez um esforço para mostrar que, com a crise na Europa e impasses como Síria e Irã para resolver, suas preocupações são maiores. A visita serviu também para enviar um alerta sobre as posições brasileiras no cenário internacional: crescimento traz responsabilidades.
O senhor acredita que o embargo ao petróleo pode acabar jogando o Irã ainda mais contra o Ocidente?
GUIDO WESTERWELLE: É inaceitável que armas nucleares caiam nas mãos do Irã. Por isso, é necessário atuar em duas frentes: de um lado, nós estamos abertos a negociações sérias com o Irã; por outro, se eles não cooperarem, não há alternativa senão a aplicação de sanções, que, cada vez mais, estamos vendo que funcionam.
Quais são os riscos dessas sanções para a economia europeia?
WESTERWELLE: É claro que ninguém gosta de sanções. A cooperação e a troca econômica, especialmente da Alemanha, são bastante decisivas, mas é crucial para a gente não permitir que o Irã tenha acesso a armas nucleares. Isso vai desestabilizar não apenas a segurança da região, como a do mundo. Para quem mora no Brasil, o Irã parece longe. Mas na Europa, é do nosso vizinho que estamos falando.
A resistência brasileira em apoiar sanções unilaterais torna mais difícil para Europa pressionar Ahmadinejad?
WESTERWELLE: Nós temos uma cooperação próxima com o Brasil. Acho que o Brasil não é apenas uma estrela em ascensão, mas, com um notável crescimento econômico, também precisa entender que é um ator global do primeiro escalão. E isso também traz responsabilidades globais.
Se a repressão na Síria não cessar, é possível que a Alemanha apoie uma intervenção ?
WESTERWELLE: Qualquer tipo de intervenção militar já foi descartada, como mostramos no Conselho de Segurança. Apoiamos o povo sírio. O tempo de Assad já acabou e ele tem que cessar a repressão para permitir transformações pacíficas.
E a força de paz proposta pela Liga Árabe?
WESTERWELLE: A Liga Árabe exerce uma liderança importante, e a iniciativa de ir à Assembleia Geral da ONU é muito positiva. Nós ficamos felizes em colaborar com eles, assim como com o Governo turco, com quem estamos discutindo formas de aumentar a pressão sobre Assad.
E como burlar a resistência russa e manter essa pressão?
WESTERWELLE: Temos que convencer os russos de que eles estão do lado errado da História. Espero que Moscou entenda que bloquear ações da comunidade internacional não faz sentido nem mesmo para o interesse deles.
A Alemanha está no momento sem embaixador em Damasco.
WESTERWELLE: Nós aplicamos algumas medidas bilaterais, por exemplo, expulsando quatro membros da embaixada Síria. E, neste momento, nós optamos por não enviar um novo embaixador à Síria.
Como o senhor encara o sentimento anti-Alemanha que, com a crise, parece estar surgindo na Grécia?
WESTERWELLE: Eu não acredito nisso. Não levo a sério tudo o que a mídia noticia, e os clichês sobre a História da Alemanha publicados não refletem o que a maioria na Grécia pensa. O povo grego sabe que estamos comprometidos a ajudá-los, mas é necessário também solucionar a crise, e isso só pode acontecer com reformas estruturais.
A Alemanha às vezes passa a impressão de que tem interesses diferentes da Europa.
WESTERWELLE: De forma alguma. A Europa é nosso destino, nosso desejo. Não é apenas nossa resposta para a História, como também nossa resposta em tempos de globalização. Para nós, não há dúvida de que vamos proteger nosso bloco e nossa unidade monetária.
A UE como bloco se fortalece ou enfraquece com a crise?
WESTERWELLE: Queremos abrir o nosso capítulo da integração europeia, e todos os passos para isso serão nossa resposta para a crise. A Alemanha é forte o bastante para mostrar solidariedade. Já disponibilizamos mais de 200 bilhões .
O descontentamento popular pode acelerar a retirada alemã do Afeganistão?
WESTERWELLE: Nenhuma guerra é popular no nosso país. Mas não estamos no Afeganistão para ocupar, e sim porque nos pediram. Estamos protegendo nossa própria segurança. Nosso cronograma é o da comunidade internacional: até 2014, esperamos encerrar os combates.
Documentos divulgados pelo WikiLeaks mostraram que diplomatas americanos consideravam o senhor um obstáculo às relações bilaterais. Berlim e Washington se afastaram desde que o senhor se tornou ministro?
WESTERWELLE: A relação transatlântica é importante, mas, ao mesmo tempo, num mundo multipolarizado, é preciso formar alianças estratégicas com outras forças, como o Brasil. Li essas descrições, que me colocavam também como um defensor firme dos interesses europeus e alemães. E eu represento os interesses alemães.