Título: Provocação em dose dupla
Autor:
Fonte: O Globo, 16/02/2012, O Mundo, p. 33

Teerã ameaça cortar venda de petróleo à Europa e anuncia varetas nucleares nacionais

Reuters

CRISE COM O IRÃ

As luvas, os jalecos e as máscaras brancas da comitiva que acompanhava o presidente Mahmoud Ahmadinejad deram o tom de profissionalismo a um regime que, mesmo sob pesadas sanções internacionais, alega êxitos científicos e nucleares. As imagens do presidente do Irã colocando pessoalmente em operação as primeiras varetas de combustível nuclear produzidas nacionalmente já enviavam uma mensagem de autossuficiência. Mas, ontem, o governo iraniano foi além. E impôs um desafio duplo ao Ocidente: além de alardear os avanços nucleares, fez disparar o preço do barril de petróleo ao ameaçar, ainda, um corte nas exportações a seis países da União Europeia (UE).

A advertência foi feita pelo diretor do Departamento de Europa da Chancelaria de Teerã, Hassan Tajik, aos embaixadores de Itália, Espanha, França, Grécia, Holanda e Portugal. Para o governo iraniano, a decisão europeia de suspender a compra de petróleo cru como forma de pressão pela retomada das negociações nucleares é "ilegal e ilógica". A medida foi anunciada em 23 de janeiro - mas está prevista pra entrar em vigor somente em julho.

- A Europa está numa situação econômica difícil e enfrenta um inverno rigoroso. Não temos problemas para encontrar outros compradores para nosso petróleo e vendê-lo a outros países - declarou Tajik à agência Irna.

Especialistas duvidam de avanço

A ameaça veio num dia de mensagens truncadas. Mais cedo, uma rede de TV iraniana informara que Teerã suspendera a venda de petróleo aos europeus - causando enorme tumulto nos mercados. O anúncio foi desmentido pelo próprio ministro do Petróleo, e Teerã revelou, ainda, um gesto de boa vontade para com a Europa. Em uma carta enviada à chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, o presidente do Conselho Nacional de Segurança do Irã reafirmou a determinação em voltar à mesa de negociações sobre o programa nuclear.

Mas, no já habitual jogo de provocações, ontem foi dia de demonstrar força. Ahmadinejad colocou em operação as primeiras varetas de combustível nuclear produzidas no Irã para reforçar a capacidade de enriquecimento de urânio a 20% na usina de Teerã - um feito e tanto para o país que, isolado por sanções, assiste ao declínio do estoque de combustível nuclear, importado da Argentina nos anos 1990. E não é só. Num discurso transmitido ao vivo, o presidente disse que o país desenvolveu uma quarta geração de centrífugas nucleares, feitas de fibra de carbono, até três vezes mais rápidas que as usadas atualmente, e revelou, ainda, que o Irã acrescentou 3.000 centrífugas às 6.000 em operação.

- Agora, há 9.000 funcionando. A era do bullying dos países passou. Os poderes arrogantes não podem monopolizar a tecnologia nuclear. Tentaram nos impedir ao decretar sanções e resoluções, mas falharam - bradou.

Em Washington, o governo americano instou a UE e o mecanismo bancário mundial Swift a expulsarem os bancos iranianos do sistema financeiro - embora o Departamento de Estado tenha minimizado as revelações iranianas como "nenhuma grande novidade".

Especialistas em não proliferação na Europa também demonstraram desconfiança quanto à possibilidade de o Irã conseguir desenvolver componentes modernos e seguros.

- Já vimos isso antes. Acho que é o mesmo caso - disse Shannon Kile, do Instituto de Pesquisas da Paz Internacional de Estocolmo.

Mark Fitzpatrick, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, também viu exagero:

- Fabricar as varetas de combustível não é tão difícil. Mas elas têm que ser testadas por um período considerável antes que possam ser usadas. Se estiverem operando o reator com varetas não testadas, meu conselho é que os moradores dos arredores mudem para outro lugar. É inseguro.