Título: Primavera árabe atola na Síria
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Fonte: O Globo, 17/02/2012, Opinião, p. 6

A Síria tem um papel complexo no Oriente Médio. Defensora do nacionalismo árabe, forma na linha de frente contra Israel. Humilhada militarmente pelo inimigo e tendo o Golã anexado por ele, deu abrigo em Damasco aos líderes dos mais radicais movimentos palestinos, como o Hamas. Aliada da Rússia, herança dos tempos da URSS, a dinastia Assad, que domina o país há mais de 40 anos, procurou manter uma relação ambígua com os EUA. O Departamento de Estado mantém o país na lista dos que apoiam o terrorismo.

Nesse contexto, causava preocupação a possível chegada à Síria do furacão popular contra retrógradas ditaduras - a Primavera Árabe. Ele chegou, e a questão se apresenta ainda mais complicada do que na Líbia, onde foi necessária a intervenção da Otan para desentocar Muamar Kadafi e acabar com seu regime carcomido. Mas a situação na Líbia não está estabilizada.

Na Síria, o esperado: resistência a ferro e fogo do ditador Bashar Assad à revolta, que entrou no 12 mês. Resistência que se traduz em bombardeio diário dos focos de contestação ao regime, como as cidades de Homs - a mais visada e onde a ofensiva do governo entrou no 15 dia , Hama - arrasada pelo pai de Bashar, Hafez, há 30 anos e onde morreram, então, cerca de 20 mil pessoas, e Deraa - onde começou a rebelião há um ano e bombardeada ontem. Bashar jamais admitiu que esteja matando o próprio povo - calcula-se em sete mil o número de mortos em 12 meses, civis, mulheres e crianças incluídos - e "denuncia" terroristas e agentes externos que buscam desestabilizar seu governo.

A complexa Síria levou a comunidade internacional a um aparente beco sem saída. Rússia e China, evocando posições que remontam à Guerra Fria, bloquearam resolução do Conselho de Segurança que aumentaria a pressão sobre Damasco. A Rússia recorreu a pruridos diplomáticos ao rejeitar suposta ingerência externa nos assuntos sírios e atribuir ao Ocidente a intenção de trocar Assad, aliado de Moscou, por alguém mais palatável.

Há várias iniciativas diplomáticas em andamento, mas o sentimento internacional é de impotência diante do sofrimento imposto ao povo sírio por seu próprio governo, com apoio indireto de Rússia, China e Irã. A posição do Brasil, explicitada em artigo no GLOBO da embaixadora na ONU, Maria Luiza Viotti, de usar a força "sempre como último recurso, esgotadas todas possibilidades da diplomacia e de uma solução negociada", é platonicamente perfeita, mas nada acrescenta para deter a carnificina.

A sensação de impotência aumenta quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, fala de possíveis crimes contra a Humanidade em território sírio. E a Assembléia Geral aprovou , ontem, a proposta da Liga Árabe para a renúncia de Asaad. É apenas uma expressão formal da condenação ao regime, sem efeitos práticos. Mas vale como pressão política.

As esperanças repousam nas gestões da França para que Moscou aceite reexaminar sua posição e no aparente maior envolvimento da China, que decidiu enviar a Damasco seu vice-chanceler. Mas elas são poucas e ralas.