Título: Por que o país precisa da bomba
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2012, O Mundo, p. 18
O PRESIDENTE Mahmoud Ahmadineajd inspeciona instalações nucleares
AFP/15-02-2012
Bombásticas alegações de avanços no setor nuclear, ameaças de fechar cruciais passagens marítimas internacionais, supostos planos terroristas e indícios de excessos diplomáticos - tudo isso emana de Teerã neste exato momento. Na última semana, confrontos entre o Irã e o Ocidente alcançaram níveis ainda mais altos quando Israel acusou o Irã de ser o responsável por uma tentativa de bombardeio em Bangcoc e de ter como alvo diplomatas israelenses na Índia e na Geórgia. Ainda assim, na quarta-feira, um negociador nuclear iraniano afirmou que Teerã está disposta a voltar à mesa de negociações.
O que o Irã realmente quer? Quais, como os estrategistas poderiam perguntar, são os motivos da conduta iraniana?
A chave para entender a República Islâmica consiste em compreender a percepção que o Irã tem de si mesmo. Mais do que qualquer outra nação do Oriente Médio, o Irã sempre se imaginou como o líder supremo de seus vizinhos. Mesmo com a redução do Império Persa ao longo dos séculos e a cultura persa se esvanecendo com a chegada das mais atraentes convenções morais ocidentais, a visão superestimada do Irã sobre si mesmo permaneceu, em grande parte, intacta. Pela força da história, os iranianos acreditam que seu país merece proeminência regional.
No entanto, a política externa do Irã é também construída sobre as fundações do regime teocrático e da Revolução de 1979. O Aiatolá Khomeini legou a seus sucessores uma ideologia que divide o mundo entre opressores e oprimidos. A Revolução Islâmica foi uma batalha pela emancipação cultural e política dos tentáculos do imoral Ocidente. Entretanto, o Irã não estava simplesmente buscando independência e autonomia, mas sim projetar sua mensagem islâmica para além de suas fronteiras.
A duradoura revolução messiânica do Irã pode parecer um mistério porque, de muitas formas, a China moldou nossas impressões sobre um Estado revolucionário. No começo, a ideologia determinava a política externa de Pequim, mesmo em detrimento a seus interesses práticos. Porém, ao longo do tempo, novas gerações de líderes descartaram essa abordagem tão rígida. Hoje, não há nada de particularmente comunista no Partido Comunista Chinês.
Nos anos 90, parecia que o Irã seguiria os passos de Estados como a China e o Vietnã, com líderes pragmáticos como Ali Akbar hashemi Rafsanjani e reformadores como Mohammed Katami batalhando para emancipar sua república da onerosa ideologia de Khomeini. Mas o que torna o Irã peculiar é que essa evolução foi deliberadamente suspensa por uma jovem geração de líderes como Mahmoud Ahmadinejad, que rejeitaram a abordagem pragmática, clamando pelo legado de Khomeini. "Retornar às raízes da revolução", tornou-se seu mantra.
Sob os auspícios de um austero e dogmático líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, uma "geração da guerra" está tomando o controle no Irã - jovens direitistas moldados pelo longo conflito contra o Iraque nos anos 80. Embora comprometidos com o pedigree religioso do Estado, os imaturos reacionários têm, por vezes, criticado os mais velhos por sua passividade na imposição das restrições culturais islâmicas e pela desenfreada corrupção que tomou conta do país. Conforme a Revolução Iraniana amadurece, e os políticos que estiveram presentes em sua criação gradualmente saem de cena, e uma geração mais doutrinária vai assumindo o comando.
E como acontecia com Khomeini, o dogma central da política externa dos jovens conservadores é que a Revolução Iraniana é um feito histórico - algo que os Estados Unidos não podem nem aceitar nem acomodar. Os poderes ocidentais sempre irão conspirar contra um Estado islâmico que não podem controlar. A única maneira de o Irã ser independente e conquistar seus objetivos internos é por meio do confronto. A viabilidade da República Islâmica não pode ser negociada com o Ocidente, ela precisa ser clamada com firmeza e em tom de desafio.
O programa nuclear iraniano não começou com essa nova geração da guerra. Há muito a nação vem investindo em sua infraestrutura atômica. Entretanto, mais do que os seus predecessores, os atuais governantes iranianos veem as armas nucleares como peças centrais para suas ambições nacionais. Enquanto os governos de Rafsanjani e Khatami viam o arsenal nuclear como armas de disuassão, para os conservadores elas são formas de consolidar a proeminência do Irã na região. Um Irã hegemônico requer um aparato nuclear robusto e extenso.
ray takeyh é do Council on Foreign Relations e escreveu este artigo para o "Washington Post"