Título: Sobrevida para a Grécia
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Fonte: O Globo, 22/02/2012, Economia, p. 19
Zona do euro aprova nova ajuda, de 130 bi, com supervisão fiscal. Credores devem assumir perda histórica
Os ministros de Finanças da zona do euro acertaram, na madrugada de ontem, um resgate de 130 bilhões para a Grécia, a fim de evitar uma moratória desordenada. O acordo ainda prevê que Atenas aceite supervisão externa sobre suas contas, o que foi visto como um sacrifício de sua soberania fiscal, e impõe fortes perdas aos credores privados. Mas permanecem as dúvidas sobre a habilidade da Grécia de se recuperar e evitar um calote a longo prazo.
Após 13 horas de discussões, os ministros, que formam o Eurogrupo, acertaram medidas para reduzir a dívida grega dos atuais 160% a 120,5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2020. Foi o segundo socorro ao país em menos de dois anos e às vésperas de vencimento de obrigações, em março, no valor de 14,5 bilhões.
- Conseguimos um acordo profundo sobre o novo programa da Grécia e o envolvimento do setor privado que permitirá uma significativa redução da dívida. Isso vai assegurar o futuro da Grécia na zona do euro - afirmou o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker.
O premier grego, Lucas Papademos, saudou o acordo como histórico.
- Agora seremos capazes de progredir com estabilidade, limitar a incerteza e aumentar a confiança na economia grega - afirmou. - O novo programa tem elementos que permitirão melhorar a competitividade e criar condições para ajudar no crescimento sustentável.
O acordo permitirá que a Grécia faça uma troca da dívida em mãos dos credores privados, uma operação estimada em cerca de 100 bilhões. Esses credores vão assumir uma perda de 53,5% no valor nominal dos bônus. Eles tinham concordado originalmente com uma redução de 50%, o que levaria a uma perda de cerca de 70%, considerando o valor presente da dívida.
Segundo o jornal espanhol "El País", além da perda de 53,5%, 13,5% dos bônus serão trocados por novos papéis, com vencimentos entre 11 e 30 anos. Os restantes 15% serão títulos emitidos pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef), com vencimento em 24 meses.
Revolta com inspetores externos
Esse acordo teve o respaldo do Instituto de Finanças Intenacionais (IIF, na sigla em inglês), que representa os credores privados. Mas estes ainda terão de aprovar os detalhes. "Se for concluída com êxito, a troca de bônus será a maior reestruturação de dívida soberana da História", afirmou o IIF em nota. A da Argentina, há cerca de uma década, chegou a 80%. O organismo recomendou aos investidores uma análise cuidadosa da oferta.
O ministro de Finanças grego, Evangelos Venizelos, disse ontem que espera completar a troca da dívida com os credores privados até 12 de março. O governo informou ainda que fará uma lei para permitir a obrigatoriedade da assunção de perdas pelos credores privados que não aceitarem isso de forma voluntária.
O comissário de Assuntos Econômicos da União Europeia (UE), Olli Rehn, ressaltou as condições rigorosas do acordo, para garantir o comprometimento de Atenas.
- A economia grega não pode basear-se em um serviço público hipertrofiado, financiado com dívida pública barata - disse Rehn em uma coletiva à imprensa, às 6h (hora local).
A Grécia ainda terá de aceitar a presença permanente de inspetores estrangeiros para monitorar suas finanças e de depositar os recursos para honrar sua dívida em uma conta especial, como vinha exigindo a Alemanha. O país também terá de fazer uma emenda constitucional dando prioridade ao pagamento da dívida sobre os gastos domésticos, informou o jornal grego "Kathimerini".
O governo grego tentou minimizar ontem a revolta popular com esses pontos do acordo.
- É como se não tivéssemos na Grécia pessoas capazes de governar o país - disse à agência de notícias Reuters o vendedor de frutas Raptis Michalis, de 67 anos.
Mas o porta-voz do governo, Pandelis Kapsis, disse não ver "nada de dramático" na exigência.
- Haverá algumas equipes de assistência técnica na Grécia, que ajudarão a coletar e monitorar dados corretamente. É só isso - declarou ele à TV grega.
Já o ministro do Desenvolvimento, Mihalis Chrysohoidis, disse à Reuters que o monitoramento seria tanto "benéfica quanto funcional":
- Eles (os auditores) ajudarão a Grécia e transferirão conhecimento.
No entanto, até um dos partidos que formam a coalizão do governo, o conservador Nova Democracia, reclamou da conta especial para pagamentos da dívida.
- Indica que o país não é confiável - afirmou o deputado George Koumoutsakos.
BCs reduzirão juros cobrados da Grécia
O acordo foi saudado como um passo positivo para a Grécia, mas especialistas alertaram que Atenas terá que fazer mais para reduzir seu endividamento e que os riscos de calote continuarão a curto prazo. Muitos economistas acham que o novo socorro apenas adia o calote, já que as draconianas medidas de austeridade aprofundarão a recessão.
- Há risco de saída (da Grécia) da zona do euro no fim deste ano - disse à Reuters a economista sênior para Europa da Capital Economics, Jennifer McKeown, lembrando que as revoltas populares vão dificultar a implementação das medidas de austeridade.
Essas medidas são impopulares e pressionarão políticos que pretendem disputar as eleições previstas para abril. Os protestos nas ruas poderão ser um teste para o compromisso de políticos com os cortes de salários, aposentadorias e empregos. Os dois maiores sindicatos da Grécia convocaram manifestações em Atenas para hoje.
O Eurogrupo também acertou que o Banco Central Europeu (BCE) vai distribuir os lucros oriundos dos títulos gregos em seu poder para os bancos centrais da zona do euro. Em troca, estes reduzirão os juros cobrados dos empréstimos à Grécia e repassarão os lucros de seus papéis a Atenas. Estima-se que isso reduza a dívida do país em 3,2 bilhões.
Os parlamentos deAlemanha, Holanda e Finlândia - os mais críticos do socorro - precisam agora aprovar o pacote para Atenas. Já o premier italiano, Mario Monti, preferiu ressaltar que o acordo põe fim ao risco de contágio na zona do euro.