Título: Bombardeio mata jornalistas na Síria
Autor:
Fonte: O Globo, 23/02/2012, O Mundo, p. 29

Regime reforça ofensiva contra Homs antes de referendo sobre Constituição

MARIE COLVIN no Cairo: para ela, conflito sírio era o pior que já vira

RÉMI OCHLIK, morto aos 28

EDITH BOUVIER corre risco

PAUL CONROY: ferido no ataque

Ivor Prickett/AFP

Reuters / 21-11-2009

AFP

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HOMS, Síria. Os cada vez mais intensos ataques das tropas sírias contra a cidade de Homs, principal foco de resistência ao regime de Bashar al-Assad, mataram ontem a repórter americana Marie Colvin, que trabalhava para o jornal britânico "Sunday Times", e o fotógrafo francês Rémi Ochlik, da revista "Paris Match". Os dois não resistiram ao bombardeio contra o centro de mídia improvisado onde trabalhavam. Ativistas dizem que o local foi alvejado ao menos 11 vezes, e acusam o governo sírio de atacar o prédio deliberadamente para atingir os jornalistas. O local teria sido descoberto com base no rastreio das transmissões por satélite feitas pelos repórteres.

As mortes dos dois jornalistas, somadas às de pelo menos mais 78 pessoas ontem, segundo a Rede Síria de Direitos Humanos, aumentaram a pressão para que o governo Assad aceite um cessar-fogo contra as forças rebeldes para permitir a entrada de ajuda humanitária e a saída de pessoas feridas. Ativistas disseram que a repórter francesa Edith Bouvier, ferida no ataque ao centro de mídia, poderia sangrar até a morte caso não tivesse acesso à ajuda adequada.

- O risco de que ela não resista aos ferimentos sem atendimento médico urgente é alto. Nós estamos desesperadamente tentando retirá-la daqui, mas a situação é de perigo extremo - disse um porta-voz do grupo de defesa dos direitos humanos Avaaz, que está auxiliando jornalistas estrangeiros e ativistas em Homs.

Além de Bouvier, o fotógrafo Paul Conroy, que acompanhava Marie Colvin, também foi ferido no ataque. O governo sírio negou ter atacado deliberadamente os jornalistas, alegando que nem sequer sabia de sua presença no país e instando-os a legalizar sua situação - oficialmente, o regime impede há meses a entrada de jornalistas estrangeiros.

"O ministério pede a todos os jornalistas estrangeiros que entraram na Síria ilegalmente que se apresentem ao centro de imigração mais próximo com seus passaportes para resolver sua situação de acordo com as leis em vigor", disse o Ministério da Informação em comunicado.

Ativistas acusam o governo sírio de estar impedindo a entrada de remédios em Homs e cortando a energia durante a maior parte do dia, medidas que impedem o atendimento adequado às vítimas dos bombardeios. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha disse estar negociando com o regime um cessar-fogo diário de duas horas e o estabelecimento de um corredor humanitário para a entrada de remédios e a saída de feridos, mas não há prazo para a concretização do diálogo. A ONU, com intermediação do governo russo, deve enviar nos próximos dias a Damasco sua sub-secretária-geral para Assuntos Humanitários, Valerie Amos, "para renovar o pedido por acesso humanitário urgente".

França pede saída de Assad; Rússia prega solução interna

Governos ocidentais reagiram duramente à nova onda de ataques sírios e à morte dos jornalistas.

- Já basta. Este regime deve acabar. Não há nenhuma razão pela qual os sírios não devam ter o direito de viver suas vidas e de escolher livremente seu destino. Se os jornalistas não estivessem lá, o massacre seria pior - disse o presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Amanhã, o Grupo de Amigos da Síria, formado por países do Ocidente e do mundo árabe, se reunirá na Tunísia tentando avançar numa solução para o conflito sírio. Mas qualquer ação internacional mais enfática deve continuar a ser barrada na ONU pela Rússia, que mantém sua posição de apoio a Assad. Ontem, o presidente russo, Dmitry Medvedev, conversou por telefone com o colega iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, outro aliado de Damasco. "Os dois lados defenderam que os sírios resolvam a crise por si mesmos o tão rápido quanto possível por meios exclusivamente pacíficos, sem intervenção estrangeira", disse a Presidência russa em comunicado.

Até o momento, porém, não há sinal de uma solução pacífica interna. O governo sírio insiste que está reagindo a ataques terroristas e não aceita nenhum diálogo, que também é rejeitado pelos rebeldes enquanto Assad continuar no poder. O presidente convocou para domingo um referendo sobre uma nova Constituição que abriria caminho para eleições multipartidárias, mas a iniciativa não convenceu a oposição nem o Ocidente. Uma fonte próxima ao presidente, ouvida pela agência Reuters, diz que sua intenção é derrotar os rebeldes em Homs antes da votação, o que significaria ataques mais intensos nos próximos dias.