Título: Privatizar? Não pense
Autor: Schmidt, Cristiane Alkmin J.
Fonte: O Globo, 23/02/2012, Opinião, p. 7
Quando se lê "não pense em um elefante", qual é a primeira figura que lhe vem à mente? Um elefante, certo? Foi assim que George Lakoff intitulou seu livro, um best-seller, para mostrar quão bons são os republicanos na formação de enquadramentos (ou frames) e como este conhecimento lhes possibilita mobilizar os eleitores americanos. Essa é a razão do título deste texto. Pensar nas privatizações deve ser prioridade. O que dizer, então, sobre frames, as recentes concessões e o novo posicionamento do PT?
Enquadrar situações é uma arte. E esta foi usada ardilosamente pelo PT no passado para demonstrar aos seus eleitores quão supostamente impatriotas eram aqueles que argumentavam em prol das privatizações. E indubitavelmente esse foi um dos pilares ideológicos mais importantes do PT nas duas últimas disputas presidenciais.
Não só Lula colocou junto às cordas seu desafiante Geraldo Alkmin com o tema em 2006, como Dilma fez o mesmo com José Serra 4 anos depois. Só que neste caso, ainda que nos debates ela não tenha reconhecido os excelentes resultados das privatizações e tenha desmerecido os ganhos em deixar para o setor público o que de fato lhe compete, ela privatizou.
O frame para vencer as eleições foi tão bem articulado que o PT se elegeu novamente. O PSDB, por outro lado, ao se esquivar do debate, perdeu a oportunidade de convencer os eleitores sobre os benefícios que uma privatização bem feita lhes poderia trazer. A armadilha de não identificar o frame pelos progressistas, que Lakoff comenta, ocorreu aos tucanos. Uma pena para os eleitores, que poderiam ter feito um melhor discernimento sobre o tema.
E isto, mesmo com evidências ao seu favor, pois os benefícios sociais trazidos pela privatização acompanham o dia a dia do brasileiro. Quem não tem um telefone celular, por exemplo? A inclusão social associada aos serviços de comunicação foi expressiva.
Quintino Severo, secretário-geral da CUT e filiado ao PT, parece indignado e disse que "o partido e o governo terão que explicar à sociedade por que eram contra a privatização" ("Valor", 07/02, pág. A10). Álvaro Dias, líder do PSDB no Senado, diz que o PT cometeu um "estelionato eleitoral" e "que deve desculpar-se com a sociedade" (O GLOBO, 08/02, pág. 22). É fato que, se há não petistas orgulhosos de Dilma, muitos petistas devem estar se sentindo enganados.
Independentemente, pois, de brigas partidárias, agora, com uma suposta convergência de pensamentos, seja por ideologia ou por necessidade, o que deve ser discutido com seriedade é de que forma as futuras privatizações devem ocorrer, que tipos de leilões devem ser feitos e como devem ser os procedimentos.
Para evitar erros futuros, assim, seria bom compreender questões tais como: por que empresas de peso do setor aéreo, como a Fraport, não venceram as concessões?; como uma empresa endividada, a Triunfo, arrematou Viracopos, pagando um ágio de 160%?; por que 60% das obras e 80% dos equipamentos serão financiados pelo BNDES, ou seja, por impostos dos brasileiros?; e qual a razão de o ágio total ter sido tão elevado (350%)? Deve-se à má avaliação do setor público ou à certeza do setor privado de que os contratos serão renegociados e as tarifas aumentadas, uma vez que os valores pagos, em geral, superam a capacidade de geração de caixa?
Estas são apenas algumas das inquietações que precisam ser entendidas. Há que garantir que os grandes beneficiados sejam os consumidores e contribuintes. Por isso urge uma discussão sobre privatizações de cunho mais técnico. Afinal, seguir dando passos na direção correta é o que o Brasil precisa para continuar conquistando a confiança de todos, que inclui a dos próprios brasileiros.
CRISTIANE ALKMIN J. SCHMIDT é
professora da Fundação Getulio Vargas.