Título: Não esperem milagres
Autor: Resende, Paulo Tarso
Fonte: O Globo, 23/02/2012, Opinião, p. 7

A concessão dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Campinas à iniciativa privada tem aspectos bem mais abrangentes do que a meta de um melhor nível de serviço aos usuários e aos turistas que comparecerão em 2014 e 2016, motivados pelos eventos esportivos no Brasil. Ela representa, acima de tudo, a destruição de um mito que é a visão dos aeroportos como estratégicos para a soberania nacional. Em outras palavras, como se fossem propriedades exclusivas de gestão pública e terreno para suas experiências de poder. Mitos são a principal fonte de ideologias e, ao destruí-los, interrompe-se o fluxo que alimenta os posicionamentos ideológicos nefastos. Ao conceder os três aeroportos e colocar outros na linha de concessão imediata, o Governo federal questiona e combate as ideologias "sem razão de ser", e abre as portas para a iniciativa privada como uma alternativa que, no mínimo, criará uma situação real de análise comparativa entre as competências e eficiências gerenciais das empresas privadas e das instituições públicas.

Outra lição importante é a atratividade do negócio "aeroportos" no Brasil. Com um ágio de mais de 300%, a concessão dos três aeroportos mostrou que existe lucro no fim do túnel. É óbvio que estudos detalhados devem ter sido conduzidos pelos vários consórcios que participaram da concorrência. E, com certeza, tais estudos mostraram viabilidade econômico-financeira e retorno no prazo estipulado para a operação de gerenciamento, considerando que não haverá brechas no contrato para facilitações e relaxamentos. Diante desse quadro, questiona-se a visão estratégica do governo brasileiro durante décadas que, mesmo diante de um sistema com tal potencial de rentabilidade, jamais garantiu fluxo contínuo de investimentos para aumento de capacidade e melhoria dos níveis de serviço.

Uma última lição está na natureza da construção de confiança na parceria entre governo e empresas privadas. Pode parecer para muitos que a concessão das operações aeroportuárias para a iniciativa privada é um ato de desespero, diante das necessidades de investimentos e melhorias na gestão dos aeroportos, sobretudo para dar conta da demanda dos eventos globais que se aproximam. De fato, os aeroportos são uma preocupação para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas somente se vistos pelo espectro atual. Mesmo sem tais eventos, um crescimento médio de demanda anual da ordem de 17% já bastaria para justificar a procura por alternativas gerenciais e de garantia de fluxos de recursos para aumentos de capacidade dos aeroportos. Só que mais importante é a sinalização do Governo federal para os investidores mundiais. O sinal de que o Brasil está aberto ao capital produtivo e que existe seriedade no poder público para a construção de um país que não demoniza o capital por puro contexto ideológico extemporâneo. O capital privado bem controlado e eficientemente regulado é muito mais bem vindo e saudável do que as caixas pretas incontroláveis da máquina pública.

São realmente elogiáveis os atuais movimentos de concessão aeroportuária e espera-se que outros não devam encontrar obstáculos para rápida realização. Não obstante, é preciso ter em mente que a participação da iniciativa privada, com todo o seu poder de captação de recursos e flexibilidade gerencial, tem limites de ação e respeita o cronograma da engenharia e do planejamento de longo prazo. Portanto, esperar milagres de imediato é o princípio da destruição das conquistas. Além disso, é fornecer combustível para a fogueira dos inquisidores que torcem para tudo dar errado. É preciso observar as necessidades de curto prazo que clamam pela provisão de capacidade para atender aos soluços de demanda de 2014 e 2016. Sem perder de vista os projetos de longo prazo que irão proporcionar o nível de serviço, a qualidade e a capacidade aeroportuária alinhados com o crescimento econômico e com a inclusão do Brasil no rol das economias desenvolvidas.

PAULO TARSO RESENDE é professor da Fundação Dom Cabral.