Título: Chávez novamente deixa o país sem delegar poder
Autor: Lage, Janaina
Fonte: O Globo, 24/02/2012, O Mundo, p. 27

Presidente venezuelano levará grupo de funcionários para manter-se informado em Havana e diz que ficará atento às "mentiras da oposição"

Em um conselho de ministros realizado no Palácio Miraflores, o presidente Hugo Chávez anunciou que parte hoje para Havana, onde será submetido a exames e passará por uma nova cirurgia entre segunda e terça-feira da próxima semana para retirar um tumor - ao qual se refere somente como lesão - no mesmo local onde havia sido tratado de câncer no ano passado. Sem dizer quantos dias ficará afastado, o presidente se mostrou preocupado com a estratégia de comunicação do governo durante sua ausência e disse que levará um grupo de funcionários para manter-se em contato enquanto estiver governando o país a partir de Cuba.

- Estarei acompanhando em Cuba para desmontar as mentiras. Atrás dos bons votos de algumas pessoas há toda uma campanha, que se está preparando, a campanha adversária, é preciso ficar atento - disse.

Na manhã de ontem, a Assembleia Nacional autorizou o pedido de Chávez para se ausentar do país por um período superior a cinco dias. O deputado Alfonso Marquina (do partido opositor Um Novo Tempo) pediu que fosse aplicado o artigo 234 da Constituição, segundo o qual o vice-presidente, Elías Jaua, assumiria as funções enquanto o presidente estivesse fora. O pedido da oposição foi negado pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, um dos aliados mais próximos de Chávez, afirmando que esse debate já havia sido travado no ano passado.

Médicos lamentam viagem a Cuba

A oposição não é a única a manifestar desconforto com a maneira como o governo decidiu tratar a doença do presidente. A decisão de Chávez de realizar o tratamento em Cuba decepcionou médicos venezuelanos. Especialistas do setor de saúde afirmam que o país dispõe de recursos humanos, tecnológicos e farmacológicos.

- Viajar para o exterior em busca de alternativas terapêuticas é algo praticamente desnecessário, no país dispomos da grande maioria de tratamentos convencionais para o câncer - disse Sunil Daryanani, oncologista do Hospital de Clínicas de Caracas.

Mais do que o descontentamento de alguns setores, a saída de Chávez sem data para regressar a sete meses das eleições presidenciais criou um ambiente de forte especulação, com a disseminação de rumores de que as eleições marcadas para 7 de outubro poderiam ter sua data alterada.

- Sem informações oficiais, os rumores se multiplicam, mas não há base legal para isso - comenta a advogada Delsa Solórzano.

O reitor do Conselho Nacional Eleitoral, Vicente Díaz, negou a hipótese e disse que, em última instância, a votação só poderia ser mudada, em tese, para dezembro. De acordo com a Constituição, o presidente eleito precisa assumir no dia 10 de janeiro de 2013. A avaliação é compartilhada por especialistas e juristas.

- A Constituição não permite a mudança. Se um candidato morre ou renuncia, existe a chance de mudar a data, mas não é permitido alterar a eleição de acordo com a conveniência do candidato - disse o jurista Hector Faúndes.

Antes da viagem do presidente, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) organizou um "Canto pela Vida" em homenagem a Chávez no teatro Teresa Carreño, na capital. A manifestação do apoio marca a estratégia do partido, que sem plano B para as eleições, aposta na recuperação do presidente. Desde o anúncio de Chávez sobre a lesão, o debate eleitoral passou a girar em torno de sua saúde.

- Uma revolução não pode depender de um único homem. Há muita gente de prestígio no partido, mas ninguém para substituir Chávez na votação - comentou o cientista político Nicmer Evans.

Para o analista Carlos Romero, apesar dos nomes do vice-presidente Elías Jaua, do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, e do chanceler Nicolás Maduro terem despontado como nomes fortes do partido, o estado de saúde do presidente jogou o partido em um desafio triplo.

- O primeiro ponto é saber se a revolução bolivariana termina se Chávez sair do país, em segundo, quem será seu herdeiro político de fato e terceiro, quais são as reais condições de saúde do presidente. Até agora só vimos a metade do filme - resume.

Com agências internacionais