Título: Arrecadação federal bate recorde e ultrapassa R$ 100 bilhões por mês
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 25/02/2012, Economia, p. 24
Resultado vai na contramão de discurso do governo, que cortou orçamento
BRASÍLIA. Turbinada por receitas extraordinárias e pela antecipação do pagamento de tributos pelo setor financeiro, a arrecadação de impostos e contribuições federais começou 2012 batendo recorde. O valor somou R$ 102,579 bilhões em janeiro, o maior resultado mensal da história. Esta também foi a primeira vez que as receitas superaram o patamar de R$ 100 bilhões num único mês. O recorde anterior, de R$ 97,166 bilhões, foi registrado em dezembro.
O resultado de janeiro surpreendeu o mercado e até os técnicos do governo, que esperavam um comportamento mais modesto nesse início de ano. Mesmo assim, a secretária-adjunta da Receita, Zayda Bastos Manatta, adotou um tom cauteloso ao comentar os resultados.
- A gente não tem como dizer que o resultado de janeiro vai se manter. A nossa previsão até agora é apenas de crescimento ao longo do ano - disse Zayda.
Ela afirmou também que o governo ainda não vê necessidade de reestimar o valor das receitas para 2012:
- A estimativa ainda é de uma alta entre 4,5% e 5% nas receitas administradas este ano. Se houver uma revisão dos indicadores, então haverá uma reestimativa de arrecadação.
O resultado recorde veio na contramão do discurso da equipe econômica, que acaba de anunciar um megacorte de R$ 55 bilhões nas despesas do Orçamento federal para assegurar o cumprimento das metas fiscais, com base em uma previsão de que a arrecadação anual ficará R$ 29,5 bilhões abaixo do previsto na lei orçamentária. Para fechar a conta, foi preciso limar praticamente todas as emendas parlamentares, o que provocou incômodo para o governo no Congresso.
Valor pode gerar problema político no Congresso
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, o bom resultado da arrecadação de janeiro pode provocar reclamações sobre o tamanho da tesourada no orçamento.
- Certamente haverá uma reação. Vão dizer que a arrecadação está bombando num momento em que houve um corte elevado nas despesas - prevê, lembrando, em seguida, que a Receita já tem o discurso pronto para rebater essas críticas. - Vão dizer que é o resultado de apenas um mês e que é muito cedo para falar do resto do ano.
De acordo com o relatório divulgado ontem pela Receita Federal em Brasília, a arrecadação de janeiro contou com receitas extraordinárias de cerca de R$ 500 milhões. Nessa conta estão pagamentos atrasados do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que deveriam ter sido feitos em dezembro. São R$ 200 milhões e envolveram uma empresa do setor de bebidas e outra do setor de automóveis.
Também entraram nos cofres públicos outros R$ 280 milhões de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), decorrentes do início da cobrança desse tributo sobre operações com derivativos. Essa tributação foi anunciada no ano passado, mas só começou a ocorrer efetivamente em 2012.
Números superam previsões em R$ 5 bi
Também contribuiu para a arrecadação recorde, a decisão de parte do setor financeiro de antecipar os pagamentos do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) que poderiam ser recolhidos até março. Esses recursos somaram R$ 4 bilhões no resultado de janeiro.
De acordo com o coordenador de Previsão e Análise do Fisco, Raimundo Eloi de Carvalho, esse comportamento indica que o setor preferiu evitar o recolhimento dos tributos com incidência de juros, uma vez que o pagamento parcelado é corrigido pela taxa Selic.
O crescimento de 4,3% nas vendas de bens e serviços e o aumento de 15,47% na massa salarial em dezembro também ajudou a turbinar as receitas, com reflexo no recolhimento do PIS/Cofins, contribuição previdenciária e Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre rendimentos do trabalho.
O economista da consultoria Tendências Felipe Salto foi um dos surpreendidos pela arrecadação de janeiro. Ele esperava R$ 97,5 bilhões.
- Não dá para dizer que o resultado é uma prévia do ano, mas as receitas são a chave para a política fiscal do governo, que quer cumprir a meta cheia de superávit primário (R$ 139,8 bilhões) - disse ele.