Título: Sem temores nas contas externas
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Fonte: O Globo, 25/02/2012, Opinião, p. 6

Durante esta última semana o Banco Central precisou intervir no mercado de câmbio para evitar uma valorização indesejável do real, do ponto de vista das autoridades econômicas. A cotação do dólar americano chegou a cair abaixo de R$ 1,70 e, ao que tudo indica, as autoridades preferiam vê-la na faixa de R$ 1,80.

A valorização do real, iniciada em janeiro, ocorre enquanto os mercados financeiros na Europa continuam às voltas com a crise grega. Tanto o Tesouro Nacional como empresas e bancos brasileiros não encontram dificuldades para lançar títulos ou contratar empréstimos no exterior, a taxa de juros bem inferiores às que vigoram internamente no país. Isso tem feito com que o fluxo cambial seja positivo, com mais entradas do que saídas de dólares e outras moedas conversíveis.

É uma situação que contrasta com os números do balanço de pagamentos referentes a janeiro, divulgados há poucos dias pelo Banco Central. Houve um aumento considerável no déficit em transações correntes (mercadorias e serviços), devido ao fato de a balança comercial ter ficado negativa - as chuvas no mês prejudicaram significativamente as exportações de minério de ferro, hoje o principal produto da pauta brasileira - e ao incremento de gastos com o turismo, por exemplo.

Os mercados não encaram esse déficit como uma tendência de médio prazo, o que fica bem evidente com o fluxo positivo de capitais para o país, sob a forma de investimentos diretos, compra de títulos ou empréstimos. Nos últimos doze meses, até janeiro, o déficit acumulado em transações correntes foi de US$ 54,1 bilhões, e, ao mesmo tempo, o fluxo líquido de investimentos estrangeiros diretos atingiu US$ 69,1 bilhões. Portanto, o movimento de capitais tem financiado com folga o déficit que acaba sendo gerado, em grande parte, pela remessa de lucros e dividendos, além de outros gastos (turismo, transportes, aluguel de equipamentos, pagamento de juros, etc.).

Desse modo, como frisou o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel, o déficit em transações correntes tem uma forte correlação com o desempenho da economia brasileira. Os investidores estrangeiros só remetem mais lucros e dividendos para sua matrizes quando têm bons resultados no país. Assim, se tornam parceiros, pois suas apostas são a favor da economia brasileira. Se há melhora no nível de empregos e da remuneração em geral, mais brasileiros se sentem estimulados a viajar, a conhecer o mundo além das nossas fronteiras. Investimentos em infraestrutura, projetos industriais ou construção de moradias também demandam equipamentos, muitas vezes alugados. E, como o Brasil não tem mais uma frota relevante de navios próprios, as despesas com fretes marítimos tendem a aumentar à medida que cresce a corrente de comércio exterior.

O déficit acumulado em transações correntes está ligeiramente acima de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), percentual compatível com a média histórica do país. A médio prazo, pode ser revertido pela receita de exportações e também pelo retorno (como lucros e dividendos) de investimentos brasileiros no exterior.