Título: Battisti perto da extradição
Autor: Rizzo, Alana; Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 10/09/2009, Brasil, p. 10

Sessão no STF é suspensa com 4 x 3 a favor do retorno do ex-ativista para a Itália. Votos decisivos devem manter resultado

O relator Cezar Peluso sustentou que não há elementos que comprovem perseguição política a Battisti

Eros Grau (ao centro) votou contra a extradição e deixou o julgamento

O julgamento do ex-ativista Cesare Battisti, preso desde o ano passado na Penitenciária da Papuda, em Brasília, foi adiado, depois que o ministro Marco Aurélio Mello pediu vista ao processo. Quatro ministros votaram pelo retorno de Battisti à Itália e três a favor da permanência dele no país. Ainda não há previsão para que o pedido de extradição volte a ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A tendência é que Marco Aurélio empate o placar. O resultado final deve vir mesmo do voto do presidente, Gilmar Mendes, que já sinalizou ser favorável à extradição de Battisti.

Caso isso aconteça, caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizer quando o italiano será extraditado ¿ uma decisão que, muito provavelmente, deve resultar em desconforto no governo, já que teve como pano de fundo uma disputa sobre a competência do pedido de extradição e a independência dos poderes. Alguns ministros criticaram o status de refugiado político concedido pelo Ministério da Justiça, mesmo depois da negativa do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Outros afirmam que o julgamento está seguindo uma linha política, avançando sobre as competências do Executivo.

Para o advogado de Battisti, Luis Roberto Barroso, o empate é favorável a seu cliente. A tese que ele deve adotar a partir de agora é a de que o presidente do STF não poderá votar porque há uma sentença criminal de prisão sendo analisada. Nabor Bulhões, advogado do governo italiano, não acredita que isso poderá acontecer porque a matéria que está sendo apreciada é constitucional. Os dois ficaram surpresos com o pedido de Marco Aurélio, depois de nove horas de julgamento. ¿Pretendo cumprir o prazo na medida do possível. Trabalho de sol a sol, sábados, domigos e feriados¿, disse Marco Aurélio, referindo-se ao limite regimental do pedido de vista, de 10 dias.

A maioria dos ministros entendeu que os crimes que Battisti teria cometido na Itália são caracterizados como comuns e não teriam cunho político, necessário para o refúgio político concedido pelo ministério. Condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua, Battisti deverá, se extraditado, ter sua pena comutada a 30 anos de reclusão.

Apesar da polêmica, o plenário decidiu votar em bloco tanto o mandado de segurança quanto o mérito do caso. O voto do relator, ministro Cezar Peluso, levou mais de quatro horas. Desqualificando o ato administrativo que concedeu o refúgio político a Battisti, elaborado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, Peluso disse que se baseou nas decisões italianas e nos tratados internacionais vigentes no país para elaborar seu voto. Segundo ele, a decisão foi ilegal e os crimes praticados pelo italiano são comuns e não tiveram cunho político. Ressaltou, inclusive, a profissão de dois dos quatro mortos: joalheiro e açougueiro. Para ele, o presidente da República pode adiar a execução da extradição em certos casos, mas nunca deixar de cumprir. ¿É sem nexo e sem sentido celebrar tratado para não ser cumprido¿, disse, reforçando que Battisti também responde a processo no Brasil por falsificação de passaporte.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que a ¿pressão¿ do governo italiano no processo sobre o refúgio político para o ex-ativista italiano Cesare Battisti foi ¿ostensiva e estranha¿. Durante seu voto, o ministro Joaquim Barbosa também criticou a postura do embaixador italiano, que teria, segundo ele, tentado marcar audiências em seu gabinete para discutir o caso.

Tensão

Logo depois da leitura do relatório, a ministra Cármem Lúcia questionou o fato de a Corte não ter desmembrado o processo. Eros Grau seguiu a linha da ministra e afirmou que Peluso não deu ao Ministério da Justiça a oportunidade de exercer o contraditório. Os dois discutiram e o clima na sessão ficou tenso. Peluso afirmou que Grau deveria procurar o advogado da União. O ministro decidiu então deixar a Corte, dando seu voto de poucas palavras a favor da extinção da extradição. Gilmar Mendes pediu que o ministro ficasse no plenário.

O ministro Ricardo Lewandovski foi o primeiro a seguir o voto do relator. Para ele, os crimes cometidos na década de 70 são comuns e irrevogáveis. A legislação vigente na época vedava a concessão de refúgio para aqueles que teriam cometidos crimes graves. Ayres Britto seguiu o relator e declarou nula a decisão do ministro Tarso Genro. A ministra Ellen Gracie afirmou que é atribuição do Supremo definir se o crime é político ou não. ¿A Casa tem limitações restritas e não adentramos no reexame dos atos soberanos da magistratura de outro país. Aqui, também impõe-se o respeito à soberania alheia¿, disse em seu voto, em referência à tão falada soberania do Estado brasileiro neste caso.

Pretendo cumprir o prazo na medida do possível. Trabalho de sol a sol, sábados, domigos e feriados¿

Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal

Os argumentos de cada um

Governo italiano A Itália aposta no tratado de extradição assinado entre Brasil e Itália em 1989 para conseguir levar Cesare Battisti de volta ao país. O advogado Nabor Bulhões, que representa o governo italiano no caso, avalia que não há indícios de que os crimes atribuídos ao ex-ativista possam ser considerados atos políticos e a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder o refúgio não se sustenta. ¿Que situação extremamente inusitada se estabeleceu. Um refugiado que é procurado pela Justiça da Itália porque é condenado por quatro homicídios qualificados, cometidos com crueldade e recursos que impossibilitaram a defesa das vítimas. Um condenado por decisão de três instâncias¿, defendeu ontem no Supremo Tribunal Federal.

Ministério da Justiça O governo brasileiro defende que não cabe recurso contra a decisão de conceder refúgio porque o ato cumpriu os requisitos legais necessários. ¿O que pretende a República italiana é entrar no aspecto administrativo da questão. A decisão do ministro da Justiça diz respeito somente à análise de requisitos legais para a concessão de refúgio ¿ e nesse caso foram atendidos todos os requisitos legais. A decisão não é passível de recurso. Atos políticos não são passíveis de revisão, sob pena de ferir o princípio da separação de poderes. A concessão de refúgio é ato político do estado brasileiro¿, defendeu ontem a advogada Fabíola Souza de Araújo, representante do Ministério da Justiça.

A defesa de Battisti O advogado de Cesare Battisti, Luis Roberto Barroso, insiste na tese de que o ex-ativista é vítima de perseguição política. Diz que o italiano nem sequer foi acusado formalmente pelas quatro mortes e, mesmo assim, acabou condenado. ¿Ele foi julgado à revelia e condenado à prisão perpétua. Cesare Battisti é um bode expiatório. Ele é nascido em uma família comunista. A única ofensa real que sofre nesse processo é dizer-se que ele é um criminoso comum. Dedicou sua vida à luta política¿, afirmou Barroso ontem no STF.

Entenda o caso Entre crimes, fugas e livros

O escritor Cesare Battisti, 54 anos, tornou-se pivô de um impasse que coloca Brasil e Itália em lados opostos. Condenado à prisão perpétua no país de origem, ele foi considerado refugiado político pelo governo brasileiro em janeiro. Desde então, o governo italiano trava uma batalha pela extradição.

Líder de uma organização extremista batizada de Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), que fazia oposição ao governo da Itália na década de 70, Battisti foi condenado por quatro homicídios ocorridos entre 1978 e 1979. O julgamento terminou em 1993, mas o ex-ativista nunca cumpriu a pena. Fugiu para a França, onde viveu até 2004, quando o então presidente do país, Jacques Chirac, se colocou favorável à extradição.

O italiano fugiu novamente e veio parar no Brasil, onde a legislação proíbe a extradição de condenados por crimes políticos. Em março de 2007, Battisti foi preso no Rio de Janeiro e transferido para a Papuda, onde está até hoje. O ex-ativista nega a autoria dos crimes e afirma ser vítima de perseguição política. Desde que chegou ao país, Battisti já escreveu três livros para contar sua história.

O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, analisou o pedido de refúgio e decidiu negá-lo por 3 votos a 2, sob o argumento que não é possível comprovar a alegada perseguição política. A decisão do Conare, no entanto, foi revertida pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que em 13 de janeiro de 2009 concedeu o refúgio por entender que o italiano passa por ¿fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas¿. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou a decisão e chegou a rebater críticas do governo italiano dizendo que a decisão foi um ato de ¿soberania¿ do Brasil.

Quem votou até agora

O placar no Supremo Tribunal Federal está 4 x 3 pela extradição do ex-ativista Cesare Battisti. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello.

Os favoráveis à extradição

Cezar Peluso Considerou ilegal o ato que concedeu refúgio a Cesare Battisti e votou pela extradição do italiano. ¿Uma das hipóteses para o refúgio é quando há perseguição política. Demonstrado que não há nenhum elemento que corresponda a isso, o ato fica em desconformidade com a lei. Os homicídios cometidos não guardam nenhuma relação próxima nem remota com movimentos políticos. Eram antes puro intuito de vingança pessoal¿, afirmou no voto.

Ricardo Lewandowski Votou pela ilegalidade do ato do ministro da Justiça, Tarso Genro, e pela extradição do italiano. ¿Todo o devido processo legal foi observado. Inclusive houve a anulação de uma das condenações, o que mostra o empenho dos defensores de Battisti em defendê-lo¿, afirmou, para contestar o argumento de que o ex-ativista foi julgado à revelia. ¿É nula a decisão do ministro da Justiça no sentido de que os delitos não têm caráter político, caracterizando-se como crimes comuns, passíveis de extradição.¿

Carlos Ayres Britto Acolheu o argumento de que o ato que concedeu o refúgio não se sustenta e votou pela extradição do ex-ativista. ¿Fundados temores? Temores objetivamente demonstrados e não subjetivamente evocados, senão fica muito fácil no plano da mera subjetividade.¿ O magistrado defendeu ainda que não há indícios de que os crimes foram políticos. ¿Me parece que o adjetivo `armados¿ já desnatura o objetivo político e ideológico da instituição porque uma organização que se intitula `armada¿ já se predispõe a cometer crimes¿, disse, em referência ao Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), organização da qual Battisti fazia parte.

Ellen Gracie Foi favorável à extradição e julgou ilegal o ato que concedeu o refúgio a Battisti, como sugeriu o relator. ¿Compete exclusivamente, a esse tribunal definir se o delito é comum ou político.¿ A ministra ressaltou não haver indícios de que os crimes tenham sido motivados por questões políticas. ¿Não adentramos no reexame dos atos soberanos da magistratura de outro país. Aqui, também impõem-se o respeito à soberania alheia.¿

Os contrários à extradição

Joaquim Barbosa Considerou legal o ato que concedeu o refúgio, foi contra a extradição e sugeriu que o italiano seja beneficiado com o alvará de soltura. Para o magistrado, o ato do governo em favor de Cesare Battisti, além de legal, é irrevogável. ¿A decisão de entregar o estrangeiro se situa no âmbito exclusivo e discricionário do presidente da República¿, defendeu.

Cármen Lúcia Votou contra a extradição do italiano e favoravelmente ao ato que concedeu refúgio ao ex-ativista. Ela também sustentou que a prerrogativa de proteger estrangeiros cabe ao Poder Executivo. ¿A jurisprudência impede o seguimento de qualquer pedido de extradição, baseado nas mesmas causas do refúgio¿, disse a ministra.

Eros Grau Votou contra a extradição de Battisti e pela legalidade do ato do ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu refúgio ao ex-ativista. O ministro proferiu seu voto logo após uma discussão com o relator, Cezar Peluso. Disse que tinha dúvidas se Genro teve o direito de defesa assegurado. ¿Não se deu ao Ministério da Justiça a oportunidade de exercer o contraditório.¿ Peluso rebateu a argumentação. Eros Grau, então, declarou ser favorável à permanência do italiano no país. Sem mais argumentos, virou as costas e foi embora no meio do julgamento.