Título: Teria a Dama de Ferro a solução para a crise?
Autor: Neder, Vinicius
Fonte: O Globo, 26/02/2012, Economia, p. 33

Graças a filme, ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher volta à cena. Economistas especulam se suas ideias foram enterradas

deborah.berlinck@oglobo.com.br

MARGARET THATCHER

Andrew Winning/Reuters/1/11-2010

PARIS. Margaret Thatcher, a Dama de Ferro que comandou o Reino Unido por mais de uma década, está de volta, 22 anos depois de ter sido enxotada do poder. Não na vida real, claro, e não apenas na tela dos cinemas, reencarnada pela atriz Meryl Streep no filme "A Dama de Ferro". Ela está, sobretudo, nas mentes de muitos que assistem à Europa se afundar na crise e na encruzilhada. "A Dama de Ferro poderia ter resolvido a crise do euro?" era o título de um artigo da revista "Time".

Thatcher, de repente, voltou à cena. Boris Johnson, o prefeito de Londres, do Partido Conservador de Thatcher, o Tory, escreveu em sua coluna no jornal inglês "Daily Telegraph" que, em 22 anos, nada havia conseguido reabilitar a imagem cruel que a ex-primeira-ministra britânica deixou impressa na história do Reino Unido e do mundo: a de uma mulher dura e inflexível em suas convicções ideológicas. Até o filme com Meryl Streep ser lançado.

"Bastava mencionar o nome dela e você recebia uma fuzilada de vaias. Não mais, suspeito, ou nem tanto. Não depois deste filme", escreveu o prefeito.

Thatcher é uma dessas personagens da História que, como o ex-presidente americano Ronald Reagan ou, mais recentemente, George W. Bush, inspiram polêmica. Para Johnson, ela ressurge do filme como uma pessoa muito mais revolucionária e inspiradora, porque era mulher.

"Acho que ela teria fortemente desaprovado a ganância da diretoria (dos bancos). Thatcher foi criada por metodistas, com profundas ligações com os valores da ética de trabalho protestante. Ela teria sido contra qualquer tipo de capitalismo entre amigos", acredita o prefeito de Londres.

Inevitavelmente, surge a comparação entre Thatcher e o atual primeiro-ministro britânico, David Cameron, também do Partido Conservador. Mas, como lembrou o artigo da "Time", entre Cameron e Thatcher há uma distância considerável. De épocas. Thatcher podia impor sua visão. Ela liberou mercados, mas não foi dominada por eles. O artigo conclui que "nem todo mundo concordou com as convicções da Dama de Ferro, mas, ao contrário dos líderes de hoje, ela mais do que provou sua coragem".

Como escreveu Gideon Rachman, do "Financial Times", a crise europeia, na verdade, enterrou muitas das ideias de Thatcher: quase tudo a que ela se opunha, como nacionalismo, aumento de impostos, economia inspirada nas ideias de John Maynard Keynes, está novamente em voga. E muitas das políticas que ela implantou no Reino Unido estão sendo revertidas. Por exemplo: Thatcher foi campeã de privatizações, mas o país de hoje nacionalizou grandes bancos, exatamente como fez o socialista François Mitterrand,pouco depois de chegar ao poder na França, em 1981.

A desregulamentação dos mercados - outra marca da era Thatcher - hoje tomou o caminho inverso no mundo inteiro: depois da crise, líderes querem mais regras para o setor financeiro.

Enterrou-se a era Thatcher? Não, diz o "Financial Times": enquanto não houver alternativa coerente aos princípios de livre mercado do período da Dama de Ferro, ela não será enterrada. Para seus defensores, continua valendo, portanto, uma de suas famosas frases: "Não há alternativa".