Título: Síria: votação em meio à violência
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Fonte: O Globo, 27/02/2012, O Mundo, p. 26

Referendo sobre Constituição não impede ataques à população, com 34 mortes

ASSAD VOTA em Damasco, com a mulher, Asma; abaixo, manifestantes mortos em Homs

AFP

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DAMASCO. Enquanto os combates prosseguiam nas principais cidades da Síria, o governo realizava ontem um referendo sobre uma nova Constituição, interpretada como uma oferta de reforma já rejeitada pelos opositores do regime - que a consideram modesta demais - e pelo Ocidente, que a definiu como uma farsa. Segundo os Comitês Locais de Coordenação, um grupo de combate ao regime de Bashar al-Assad, 34 pessoas foram mortas ontem em ataques promovidos por forças leais ao ditador, a maioria em Homs e Hama.

As investidas militares mantidas pelo governo, assim como a falta de observadores internacionais, também sustentaram questionamentos sobre a legitimidade da votação.

A televisão estatal transmitiu depoimentos de pessoas saudando a nova Constituição, apontando-a como o início de uma era de liberdade e democracia. Alguns votantes encaravam o referendo como um sinal de "firmeza" do país num momento em que, segundo eles, forças estrangeiras estariam tentando desestabilizá-lo, mesmo discurso repetido à exaustão pelo governo desde o início da insurreição, em março do ano passado.

Organizações de oposição, por sua vez, postaram na internet vídeos com manifestos contra o referendo. Um deles mostrava pneus incendiados, um pôster com o dizer "Pisamos na nova Constituição" e pessoas gritando "Abaixo Bashar al-Assad!".

A violência impediu a realização de referendo em localidades sitiadas, como Homs e diversos subúrbios de Damasco, onde grupos fiéis a Assad tentavam acabar com novos protestos.

O ditador acenava com a possibilidade de reformas constitucionais desde junho, mas o documento posto ontem em votação só foi a público há poucas semanas. Aparentemente, a data do referendo foi antecipada em uma resposta aos aliados Rússia e China, que contiveram tentativas externas de intervenção na Síria, assegurando que Assad patrocinaria reformas no regime.

Mudanças no mandato afetam parcialmente Assad

As mudanças mais importantes propostas pela Constituição incluem o fim do monopólio político do Partido Baath - no poder desde o golpe de 1963 - além da introdução de limites para o mandato presidencial: serão dois, no máximo, de sete anos cada. Esta regra, no entanto, só valerá a partir do fim do atual mandato de Assad, em 2014; depois, se reeleito, ele poderá ficar no poder por mais 14 anos, deixando o comando do país apenas aos 62 anos de idade.

A nova Constituição também inclui uma série de dificuldades para que a oposição chegue ao poder. Só pode ser candidato a um cargo político quem vive na Síria há pelo menos dez anos consecutivos e não tenha uma esposa estrangeira. Também estão vetados partidos ligados a religião ou etnias, o que afeta organizações como a Irmandade Muçulmana e representantes da minoria curda.

A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, que se juntou na semana passada a delegados de 60 países num encontro na Tunísia para pedir a saída de Assad do poder, afirmou que a votação era um gesto vazio.

- É um referendo de ataque, que será usado por Assad para justificar o que ele está fazendo aos sírios - condenou. - Trata-se de uma manobra cínica.

Assad e sua esposa, Asma, apareceram no fim da tarde de ontem num posto de votação no centro de Damasco. O casal sorriu enquanto abria caminho entre funcionários públicos. O ditador não se referiu explicitamente à Constituição, mas afirmou que as notícias repercutidas no exterior sobre a Síria não refletem a realidade.

Ontem, o governo jordaniano informou que o país recebeu mais de 80 mil refugiados da Síria nos últimos 11 meses. Aos 73 mil que atravessaram a fronteira legalmente, juntaram-se, apenas na semana passada, outros dez mil, incluindo oficiais das forças de segurança, que chegaram à Jordânia sem o aval de autoridades de Amã.