Título: Desespero e dor
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 28/02/2012, O País, p. 3

Militares que tentaram apagar fogo entraram amarrados, mas não voltaram

Poucas palavras, muito cansaço, dor. Foi este o clima da chegada, ontem de madrugada, dos resgatados do incêndio que destruiu 70% da base brasileira na Antártica. O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pousou por volta de 1h30m, na Base Aérea do Galeão. Muitas das 45 pessoas que desembarcaram preferiram não falar. Elas estavam ansiosas para chegar em casa e reencontrar a família depois do susto, ou inferno, como descreveu um deles.

O primeiro-tenente Pablo Tinoco, do Arsenal de Marinha, disse que os dois militares que morreram tentavam debelar o fogo no foco do incêndio, na casa de máquinas, onde estavam os geradores. Os corpos do suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e do primeiro-sargento Roberto Lopes dos Santos chegam hoje de manhã à Base Aérea do Galeão, onde receberão homenagens na presença do vice-presidente Michel Temer e do ministro da Defesa, Celso Amorim.

- Como eram os mais experientes, eles se vestiram, colocaram máscaras de oxigênio, se prepararam, e nós seguimos os procedimentos adequados, que foi o de amarrá-los, para que, em caso de demora, nós os puxássemos. Também iluminamos a área do lado de fora para que eles tivessem noção de onde era a saída, apesar da fumaça. Mas, por algum motivo desconhecido, eles não voltaram.

Segundo Pablo, dois militares tentaram, também amarrados para serem puxados, resgatá-los.

- Um militar tentou resgatá-los, mas a temperatura era alta, ele voltou. Depois, mais um tentou ir agachado. Este foi pego pelo pé por um terceiro homem. Os três verificaram que não havia segurança e voltaram. Os dois estavam com máscara de oxigênio e galão de oxigênio.

Entre os que desembarcaram estava o militar que ficou ferido: o primeiro-sargento Luciano Gomes Medeiros tem queimaduras, principalmente nas mãos, mas seu estado de saúde é estável. Ele foi levado ao Hospital Marcílio Dias.

A bióloga marinha Terezinha Abscher, que trabalha com invertebrados, disse que o incêndio foi muito traumatizante:

- Foi com se tivesse perdido minha própria casa - afirmou ela, que perdeu toda a pesquisa de fevereiro.

Perguntada se voltaria à Antártica, Terezinha hesitou:

- Tenho que pensar... Acho que voltaria.

A aeronave saiu de Punta Arenas, no Chile, na tarde de domingo com as 45 pessoas que trabalhavam na Comandante Ferraz, e algumas desembarcaram em Pelotas. Um outro avião decolou ontem de Punta Arenas, no Chile, com destino à base. Essa aeronave trará de volta ao Brasil os corpos dos militares mortos.

A Marinha informou que está prestando apoio às famílias dos militares mortos e do ferido. O ministro Celso Amorim disse, na chegada do grupo à Base Aérea, que foi ao local como forma de reconhecimento da missão:

- O reconhecimento é pela importância do trabalho deles lá, que é motivo de orgulho para todos nós. A presidente Dilma já emitiu uma nota sobre a continuidade do trabalho na Antártica.

Amorim acrescentou que será feita uma investigação sobre o que houve e que a segurança será redobrada:

- O governo vai dar total apoio à Marinha. Foram tomadas todas as medidas de segurança, mas vai haver uma perícia e investigações. Vamos fazer um estudo rigoroso sobre o que aconteceu. O ambiente é difícil, inóspito e sujeito a acidentes, mas temos que minimizá-los ao máximo. As próprias famílias que tiveram mortos no acidente reconheceram que não houve falta de atenção com a segurança, que evidentemente será redobrada.

O comandante da Marinha Júlio Soares de Moura Neto anunciou a construção de uma nova estação:

- Essa estação iria fazer 30 anos, e uma nova será construída com tecnologia mais moderna.