Título: SUS muito longe da perfeição
Autor: Souza, André de
Fonte: O Globo, 02/03/2012, O País, p. 3

Avaliação feita pelo governo mostra que só 6,2% dos municípios têm serviço de boa qualidade

SAÚDE PÚBLICA

Mais de 20 anos depois de sua criação, na Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda está longe de oferecer aos brasileiros atendimento digno: apenas 6,2% dos municípios do país têm um serviço público de saúde de boa qualidade, mostra o IDSUS, um novo indicador criado pelo governo federal para avaliar o sistema. Só 347 municípios tiraram nota acima de 7 na nova avaliação _ e 345 deles estão nas regiões Sul e Sudeste. Juntos, reúnem apenas 1,9% da população brasileira.

Segundo o IDSUS, que varia de zero a 10, em 73,1% dos municípios os serviços de saúde podem ser considerados só razoáveis, e 20,7% dos municípios foram reprovados no novo indicador. A nota média nacional ficou em 5,47, ou seja, passou raspando.

No Norte e no Nordeste, um dos fatores que mais pesaram para o desempenho mais baixo foi a dificuldade em ter acesso aos procedimentos de alta complexidade.

Durante a divulgação do índice, ontem, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, evitou, por mais de uma vez, cravar uma "nota de corte" abaixo da qual o índice seria considerado insatisfatório. Segundo ele, só se pode ficar satisfeito quando a nota for 10. E, mesmo assim, quando alcançada a nota máxima, os indicadores têm que ser modificados para ver onde é possível melhorar mais. Mas, na terça-feira, o ministério havia informado que cinco era uma nota razoável, e que o SUS deveria ter nota acima de sete.

- De sete em diante é a nota que o SUS deveria ter. Mas cinco é uma nota razoável para o estágio que nós temos - avaliou na terça-feira o diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira.

- Eu só considero satisfatório quando é dez. O que é fundamental é que a metodologia permite comparações entre grupos homogêneos. Você não pode pegar uma linha e comparar todos os municípios como se eles fossem iguais. Então é importante que a comparação seja feita entre grupos homogêneos - disse o ministro ontem.

- O que o IDSUS mostra é que o acesso aos serviços de alta complexidade nos municípios do interior de toda a Região Norte e do Nordeste é muito inferior do que o acesso que outras regiões têm - explicou o ministro Alexandre Padilha.

Segundo o Ministério da Saúde, o principal problema no SUS se dá mais no acesso a ele do que na qualidade do serviço prestado aos pacientes que conseguiram ser atendidos. O ministério também diz que o IDSUS permitirá avaliar o desempenho do Sistema Único de Saúde em todo o país, trazendo transparência e servindo de base para que as administrações federal, estadual e municipal possam aprimorar as ações de saúde pública. O ministro argumenta que o SUS não deve temer os sistemas de avaliação.

- A cultura da avaliação não tem que ser um temor, mas um fator constitutivo do Sistema Único de Saúde. O SUS não pode temer ser avaliado nem que essa avaliação seja transparente para o conjunto da população - disse Alexandre Padilha.

Mais verbas para quem melhorar nota

O ministro informou que não serão estabelecidas metas de desempenho nacional, mas apenas metas locais, definidas a partir da realidade de cada município e estado. Segundo Padilha, quem melhorar sua nota terá direito a mais recursos do ministério.

- A ideia não é ter uma meta (nacional), até porque não temos parâmetro internacional para o conjunto do índice para estabelecer essa meta. Mas nós, nas relações do ministério com os estados e os municípios, vamos construir com eles metas locais, metas regionais, metas estaduais. E a avaliação do desempenho do alcance dessas metas pode significar inclusive incentivos financeiros nos contratos do Ministério da Saúde com os estados e os municípios - disse o ministro.

Perguntado sobre como avaliava a nota 5,47 do Brasil, Padilha respondeu:

- Isso mostra claramente que o acesso de qualidade é o grande desafio para a saúde do nosso país. Um país como o nosso, que cresce e enfrenta um conjunto de desigualdades sociais, tem que ter o tema da saúde como um tema central.

A avaliação do SUS mostra um desempenho muito diferente do que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a anunciar em abril de 2006:

- Eu acho que não está longe de a gente atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país.

Os municípios foram divididos em seis grupos homogêneos. No grupo 1, estão as cidades de maior porte e com estrutura de serviços hospitalares mais completa. Dentre elas, apenas Vitória ficou acima da nota 7, com um IDSUS igual a 7,08. Acima de 8, há somente seis cidades, distribuídas entre os grupos 2, 3 e 5: Barueri/SP (nota 8,22), Rosana/SP (8,18), Arco-Íris/SP (8,38), Pinhal/RS (8,22), Paulo Bento/RS ( 8,14) e Cássia dos Coqueiros/SP (nota 8,13). A divisão em seis grupos é explicada por Paulo de Tarso.

- Você não pode pegar um município como Melgaço (PA) e comparar com Belo Horizonte. São realidades diferentes. Você não pode comparar os quatro mil municípios que têm menos de 20 mil habitantes com os municípios de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

O coordenador geral do Sistema de Monitoramento e Avaliação do SUS, Afonso Teixeira dos Reis, destaca que a avaliação é rígida e leva em consideração o atendimento de toda a população, sem excluir os usuários de planos de saúde. Assim, se muitas pessoas preferem não procurar o sistema público, isso afetará negativamente a nota do município ou do estado. Ficaram de fora do IDSUS alguns indicadores difíceis de serem medidos ou com dados pouco confiáveis, como por exemplo o tempo de espera por atendimento.

Segundo Renato Martins Assunção, professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais que participou da elaboração do índice, o fato de um indicador ter ficado de fora não significa necessariamente que ele não foi avaliado. O professor diz que muitos fatores costumam estar correlacionados.

- As variáveis não são olhadas individualmente. Quando se mede uma coisa, isso tem correlação com outras variáveis. Por exemplo, em geral pessoas de mais renda têm maior escolaridade. Então, na hora de calcular o peso de uma variável, não significa jogar fora outras variáveis - disse Assunção, acrescentando que mesmo um índice imperfeito é melhor do que não ter índice algum e, assim, ser obrigado a tomar uma decisão completamente no escuro.

Afonso Teixeira dos Reis destaca também que quatro indicadores medem o uso do serviço público de saúde pelos moradores de outros municípios. Se a cidade recebe pacientes de outras localidades, isso soma pontos para sua nota no índice. Mas isso não significa que os municípios pequenos sem condições de oferecer serviços de alta complexidade terão nota baixa.

- O fato de não existir uma estrutura de média e alta complexidade naquele município não significa que deveria existir. Os procedimentos de média e alta complexidade têm que ser necessariamente regionais, sobretudo num país com uma proporção muito grande de municípios pequenos. Estamos avaliando se quem mora naquele município tem acesso aos serviços de média e alta complexidade em outros municípios ou naquela região - explicou o ministro Alexandre Padilha.