Título: UE aprova regra de ouro
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Fonte: O Globo, 03/03/2012, Economia, p. 25

Países do euro terão de incluir disciplina fiscal na Constituição. Quem não cumprir meta será multado

A União Europeia (UE), à exceção de Reino Unido e República Tcheca, assinou ontem um acordo que impõe maior disciplina orçamentária. O pacto fiscal determina que os países incluam voluntariamente em suas Constituições o limite do déficit, de 3% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos) - a "regra de ouro" - e medidas de correção automáticas caso esse teto seja ultrapassado. No entanto, para os Estados que integram ou vierem a entar na zona do euro, o limite será obrigatório. Além disso, os que não cumprirem a meta poderão sofrer sanções, como multa de 0.1% do PIB. Haverá exceções, porém, para os casos de recessão aguda ou outras situações econômicas especiais. O acordo foi visto como uma vitória para a Alemanha, que defendia o pacto fiscal como forma de evitar que os governos gastem sem controle.

- Essa autorrestrição mais forte em relação a endividamento e déficit é muito importante - afirmou o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy. - Ajudará a prevenir uma repetição da crise da dívida soberana.

Mas já há alguns obstáculos no acordo. Esta semana, a Irlanda - que teve de ser socorrida pela UE após o colapso de seu sistema bancário - anunciou que fará um referendo sobre se deve ou não fazer parte do pacto fiscal. O próprio ministro de Finanças do país, Michael Noonan, comparou o referendo a perguntar aos irlandeses se eles querem continuar dentro da zona do euro. O referendo deve ser realizado ainda este semestre.

A UE, no entanto, incluiu no acordo uma cláusula prevendo que este não precisa de aprovação unânime: entrará em vigor se 12 dos 17 países da zona do euro o ratificarem.

Cúpula enfatiza crescimento

Além disso, o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, anunciou pouco depois do encerramento da cúpula que o país não cumprirá a meta de déficit acordada com a UE para este ano. O déficit, afirmou Rajoy, deve ficar em 5,8% do PIB, contra os 4,4% exigidos. Resta saber se a Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, vai ou não impor sanções ao governo espanhol, como previsto no acordo.

- Não consultei os outros líderes europeus e informarei a Comissão em abril - disse Rajoy, assegurando que cumprirá a promessa de levar o déficit a 3% em 2013.

A Itália, por sua vez, informou que conseguiu reduzir seu déficit no ano passado de 4,6% para 3,9%. A Comissão Europeia projetava 4%.

Outra incerteza vem da França. Se o atual presidente, Nicolas Sarkozy, tem se colocado ao lado da chanceler alemã, Angela Merkel - a dupla ganhou o apelido de Merkozy -, o candidato do Partido Socialista, François Hollande, já avisou que vai renegociar o pacto se vencer as eleições, em maio. Hollande, no momento, lidera as intenções de voto na França.

Depois da cúpula, Merkel fez questão de ressaltar que apenas países comprometidos com o acordo poderão receber ajuda financeira do fundo de resgate da zona do euro, o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Isso soou como um recado à Irlanda, que, na opinião de analistas, deve precisar de um novo socorro financeiro em 2013.

- Temos dois instrumentos. De um lado, o pacto fiscal, e do outro, o mecanismo permanente de resgate. Os dois estão interligados.

O pacto, por enquanto, só se aplica aos países que adotam o euro. Os demais membros da UE só estarão submetidos aos seus termos quando entrarem para a zona do euro ou se decidirem aderir ao pacto.

Muitos europeus, no entanto, temem que a imposição de limites para os gastos governamentais e de uma disciplina fiscal de estilo germânico possam agravar o atual cenário de recessão. O desemprego está em níveis recordes na zona do euro (10,7%), tendo passado de 20% na Espanha. O governo espanhol informou ontem que o índice deve atingir 24,3% este ano. Devem ser eliminadas 630 mil vagas. Isso pode levar o número de desempregados no país, hoje em 5,27 milhões, a mais de 6 milhões este ano. O ministro da Economia, Luis de Guindos, admitiu que ambos os números são inadmissíveis. Madri ainda projeta uma retração de 1,7% do PIB.

Talvez para tentar tranquilizar os cidadãos, os líderes da UE fizeram questão de enfatizar o termo crescimento no comunicado final da reunião. Segundo o site da revista "Der Spiegel", a palavra crescimento aparece 24 vezes no texto, e crise, apenas uma vez. As declarações das autoridades também eram otimistas.

- Está na hora de passar do modo "crise" para o modo "crescimento" - afirmou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.

Sarkozy foi ainda mais enfático:

- Não estamos fora da crise econômica ainda, mas estamos virando a página da crise financeira. - Esta é a primeira cúpula em pelo menos seis meses na qual não se fala em crise.

O premier italiano, Mario Monti, também comemorou o fato de a cúpula se dedicar ao tema do crescimento, o que atribuiu ao fato de as tensões cercando o euro terem se reduzido.

Merkel, no entanto, destoou do clima de otimismo.

- Ainda estamos em situação frágil - disse a chanceler. - Fizemos progressos, mas é cedo demais para dizer que está tudo bem.

Ela ainda disse que a zona do euro levará de dois a três anos para recuperar a competitividade e a confiança dos mercados.

Bancos depositam 777 bi no BCE

Uma das dificuldades para a recuperação da economia europeia é a retenção dos recursos no sistema financeiro. O Banco Central Europeu (BCE) abriu linhas de crédito para os bancos locais, mas estes vêm preferindo depositar recursos no próprio BCE em vez de injetá-los na economia.

Os bancos comerciais depositaram um valor recorde de 776,9 bilhões no BCE em depósitos de um dia, aproximadamente três quartos do dinheiro que a autoridade monetária colocou no sistema financeiro por meio da oferta de duas linhas de crédito ultrabarato, em financiamentos de três anos. Os bancos depositaram os recursos no BCE logo depois de receber o dinheiro da instituição.

Na oferta de crédito realizada esta semana pela autoridade monetária, cerca de 800 bancos tomaram emprestado 530 bilhões do BCE. Em dezembro, foram 490 bilhões.

O elevado nível dos depósitos no BCE mostra a falta de confiança entre os bancos europeus, resultado da crise da dívida. Os bancos recebem apenas 0,25% sobre o dinheiro que depositam no BCE, comparado com quase 1% quando o emprestam por três meses no mercado aberto.