Título: No país da Rio+20, o desperdício é oficial
Autor: Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 04/03/2012, Economia, p. 41

Prédios de órgãos públicos e estatais ficam com luzes acesas a noite toda. Ex-ministro sugere medir emissões da área federal

O PALÁCIO do Planalto, totalmente iluminado à noite: o mau exemplo vem de cima. Mesmo depois de uma reforma de R$ 140 milhões, os elevadores desperdiçam energia e as torneiras não são calibradas

NO CENTRO do Rio, os prédios da Petrobras (à esquerda) e do BNDES com luzes acesas depois das 20h15m

O MINISTÉRIO das Comunicações argumenta que o sistema de iluminação é antigo

A SEDE do TSE com todos os andares iluminados: sistema precisa ser testado, diz órgão

Fotos de Sérgio Marques/16-2-2012

Ivo Gonzalez

BRASÍLIA e RIO. Preocupada com a imagem do Brasil como país-sede da Rio+20 , a presidente Dilma Rousseff pediu aos ministros que façam um levantamento com iniciativas positivas para serem apresentadas na conferência, em junho. O objetivo é divulgar casos de sucesso nas áreas econômica, social e ambiental - mas, a três meses do evento, as pastas ainda não sabem o que mostrar. O que se destaca no dia a dia de Brasília, com raríssimas exceções, são comportamentos nada ecológicos.

O Ministério de Minas e Energia é um dos maus exemplos na capital. Depois de um dia de trabalho, o prédio continua com as luzes acesas, mesmo sem servidores, como mostram as fotos feitas pelo GLOBO às 21h do último dia 16. Seu vizinho na Esplanada, o Ministério das Comunicações, segue o mesmo exemplo de desperdício.

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - que fez concurso para ampliar seu quadro de servidores há duas semanas e espera encher um prédio recém-concluído -, as luzes acesas após o expediente revelam o vazio dos andares traçados por Oscar Niemeyer. Questionada sobre o desperdício, a assessoria do TSE argumentou que o sistema novo de iluminação precisa ser testado, o que levaria cerca de um mês.

Planalto não separa lixo, e Congresso acumula papel

No Palácio do Planalto, percebem-se poucos avanços ecológicos, mesmo após a reforma do prédio, que custou R$ 140 milhões. Os elevadores continuam a desperdiçar energia. E nada mudou na coleta de lixo que, no prédio principal, continua a ser feita sem separar o material reciclável. Nos banheiros, a falta de calibragem faz com que as torneiras soltem jatos fortes de água.

Do outro lado da rua, no Senado Federal, a crise política vivida há três anos teve uma consequência nada ecológica: o grupo conhecido como "Senado verde" foi dissolvido.

- Tem muito grupo na Casa que só existe para aumentar salário de servidores, mas o nosso não era assim, o trabalho era muito bacana - diz uma das integrantes.

A equipe apresentou soluções para vários problemas de desperdício na Casa, mas não conseguiu resolver o principal: o gasto excessivo de papel.

Nos corredores do Congresso, carrinhos acumulam volumes enormes com os projetos que serão votados. Impossível ler tanto documento em uma única sessão, por isso técnicos e parlamentares se guiam pelos índices. Todos os dias, 70 mil folhas são impressas e distribuídas para as comissões. No Supremo Tribunal Federal, o problema é o mesmo. Para cada julgamento, uma pilha de papel acompanha cada ministro no plenário.

Para o ex-ministro da Fazenda Paulo Haddad, o governo teria de fazer um medidor de emissão de gás carbônico, um de desperdício de água e outro do desmatamento no Brasil, nos moldes do Impostômetro que existe em São Paulo. Essas medidas provocariam uma reação da sociedade e forçariam uma mudança de postura.

Mas Haddad elogia o progresso das leis nos últimos 20 anos, que deixou o país na melhor posição entre os vizinhos da América Latina em relação à política ambiental.

- Não está bom, mas vai bem. Falta dar status para a política ambiental no Brasil. O país está no rumo certo, mas num ritmo insuficiente - diz Haddad, acrescentando que o governo preparou com mais cuidado a Eco 92 do que a Rio+20.

- Cada ministério vai mostrar suas experiências ao governo, mas ainda não temos um prazo definido - informa o ministro Rodrigo Baena, um dos organizadores do evento.

No Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, que deveria ser uma das vedetes da Rio+ 20, a informação sobre os casos de sucesso ainda é precária. Sabe-se apenas que a explanação será sobre a redução do ritmo de desmatamentos. Não há informação sobre outros assuntos, porque ainda não foi definido o espaço que o órgão terá na conferência.

Para o pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Guarani Osório, o país está na contramão do desenvolvimento sustentável quando insiste em construir usinas termelétricas e investir no pré-sal, enquanto a China se preocupa em limpar sua matriz energética. Ele também sugere que o governo faça um levantamento das próprias emissões para apresentar na Rio+20.

Na iniciativa privada, por outro lado, há bons exemplos de racionalidade ambiental. Marina Carlini, consultora de sustentabilidade da Suzano Papel e Celulose, conta que esta reduziu 20% das emissões de gás carbônico em uma de suas unidades só pelo gerenciamento de resíduos sólidos.

O Ministério de Minas e Energia não quis comentar o desperdício de energia no prédio. O das Comunicações informou que não utiliza todos os andares do edifício e disse que naqueles que utiliza (do 3 ao 9 andar) o sistema de iluminação é antigo e não há interruptores em cada sala. A pasta informou que isso está sendo corrigido por meio de reformas.

O Ministério do Turismo informou que orienta o serviço de vigilância do 2 e 3 andares a apagar as luzes imediatamente após a saída do último servidor de cada ala. Mas disse que, às vezes, "alguns servidores permaneçam nas dependências do prédio além do horário de expediente".

Nem cidade da conferência dá bom exemplo

Na cidade que vai sediar a Rio+20, os prédios de empresas públicas repetem o mau exemplo. Na última quinta-feira, entre 20h15m e 20h30m, em foto feita a partir de Santa Teresa, o edifício da Petrobras tinha boa parte de seus andares às claras. A estatal disse ter um sistema que desliga as luzes automaticamente às 19h, mas admitiu que as lâmpadas podem ficar acesas após esse horário se algum departamento pedir. Apenas serviços que são contínuos, como o da segurança, precisam de luz 24 horas, argumentou a Petrobras.

No BNDES, 50% dos 22 andares são desligados automaticamente às 20h30m. A outra metade tem horário flexível, o que inclui as áreas de emergência e a central de processamento de dados. Os andares da diretoria e da presidência ficam com as luzes acesas até as 23h. O banco argumentou que alguns departamentos podem funcionar após as 20h30m e que três andares estão em obras, o que ocorre à noite.

Banco do Brasil (BB) e Caixa não têm sistema automático para apagar as luzes. No BB, as lâmpadas são desligadas de forma manual. O banco disse ainda que alguns andares funcionam 24 horas por dia. Na Caixa, as lâmpadas são desligadas por eletricistas plantonistas, a partir das 20h. Segundo o banco, o prédio concentra todas as suas unidades administrativas no Rio, sendo que algumas têm horário de funcionamento estendido, após as 20h, e até de 24 horas. A Caixa disse ainda que nove andares estão em reformas, feitas de madrugada.

COLABORARAM Bruno Rosa e Ramona Ordoñez