Título: Um tombo de R$ 11 bilhões
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 04/03/2012, Economia, p. 39

Câmbio impõe a empresas perdas financeiras nos balanços de 2011 já divulgados este ano

O câmbio foi um dos vilões dos balanços das empresas brasileiras no ano passado. Faltando um mês para o fim da temporada de resultados em 2011, as 66 empresas não financeiras que publicaram seus números até o início de março registraram somadas uma perda financeira de R$ 15,3 bilhões no ano passado, um tombo em relação aos prejuízos vistos no ano anterior (de R$ 4 bilhões). Trata-se de uma diferença de R$ 11,3 bilhões em apenas um ano, segundo números das companhias levantados pelo GLOBO na base de dados da consultoria Economatica, com apoio de especialistas. O resultado financeiro é a conta na qual as empresas lançam o impacto da alta do câmbio sobre suas dívidas em moeda estrangeira. Neste ano, o governo tem atuado para evitar a queda do dólar. Mas, no ano passado, foi a valorização da moeda americana frente ao real no segundo semestre - de R$ 1,562 para R$ 1,869, uma alta de 19,65% - que pegou as companhias de surpresa, após um começo de ano de farta tomada de empréstimos no exterior. Segundo especialistas, os números são um sinal de alerta para as abundantes emissões corporativas de empresas do país neste ano, que já chegam a US$ 16,8 bilhões.

Na semana passada, o Ministério da Fazenda elevou de dois para três anos o prazo abaixo do qual incide a cobrança de 6% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) dos empréstimos tomados por empresas brasileiras no exterior, para evitar capital especulativo no país. Isso não afetou, porém, a maioria das empresas que estão captando recursos no exterior, em prazos maiores.

Segundo especialistas, os riscos são uma repetição do que aconteceu no ano passado. Ou seja, as empresas se endividando no exterior em um momento de farta oferta de dinheiro e tendência de baixa do dólar. E, depois, surpreendidas por um cenário internacional mais conturbado, o que provoca uma rápida apreciação da moeda. No ano passado, o gatilho da alta foi o corte da nota de classificação de risco dos EUA.

- Existem sintomas da crise, como a contração fiscal na Europa. Não há garantias de que não vamos viver uma repetição de 2011 - avalia o economista Armando Castelar, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Economistas lembram que as perdas financeiras das companhias não são, porém, um motivo para pânico, já que são baixas contábeis. Ou seja, o dinheiro que as companhias têm em caixa para pagar funcionários, fornecedores e investir não foi afetado. Além disso, a desvalorização de 7,33% da moeda americana este ano até sexta-feira recuperou parte das perdas. Os resultados das 66 empresas equivalem a um terço das empresas não financeiras de capital aberto no país.

Lucro sobe com mais vendas

Os resultados de 2011 foram influenciados por duas gigantes: a Petrobras e a Vale. A mineradora registrou sozinha um resultado financeiro negativo de R$ 6,6 bilhões no ano passado, perda maior do que a de 2010 (R$ 2,76 bilhões). Já a Petrobras teve um resultado financeiro positivo de R$ 122 milhões em 2011, mas o número foi inferior ao ganho de R$ 2,562 bilhões de 2010. Mesmo excluídas as gigantes do levantamento, porém, as perdas dobraram de R$ 3,8 bilhões para R$ 8,8 bilhões entre os dois últimos anos. Outros destaques são Fibria (perda de R$ 1,8 bilhão), TAM (R$ 1,2 bilhão) e Cosan (R$ 451 milhões). Nem todas as companhias, no entanto, estão com resultado financeiro no vermelho.

Os impactos nos balanços ocorreram principalmente no terceiro trimestre do ano passado. Os analistas esperavam uma recuperação das perdas no quatro trimestre, na expectativa de uma desvalorização da moeda americana, o que ocorreu de uma forma apenas modesta: o câmbio recuou 0,69%, para R$ 1,869.

Apesar das perdas, o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC), afirma que as empresas aprenderam uma lição na crise financeira internacional de 2008, quando as perdas com operações cambiais quase quebraram exportadoras como Sadia, Perdigão, Aracruz e Votorantim.

- Em 2008 vimos grandes empresas com sérios problemas por causa do dólar. Eu acho que as empresas aprenderam com o que aconteceu naquele ano. Não acredito que vamos ver isso se repetir. O que aconteceu naquele ano foi, no mínimo, didático - explica Schwartsman.

Mesmo com as perdas do ano passado, as empresas tiveram demanda e jogo de cintura para compensar os impactos negativos de suas dívidas com venda de seus produtos. O lucro líquido das companhias que divulgaram balanço até aqui avançou 7,14% em 2011 sobre 2010, de R$ 93,7 bilhões para R$ 101 bilhões. Isso é explicado pelo melhor resultado operacional, que saltou de R$ 619,4 bilhões para R$ 749,8 bilhões, uma alta de 21%.

A Vale, por exemplo, registrou um lucro de R$ 37,8 bilhões, aumento de 26% e um recorde na companhia. Isso foi possível pelo crescimento das exportações de minério de ferro e manganês, fertilizantes e metais básicos, por exemplo. Apesar de ser exportadora, o câmbio teve um efeito negativo de R$ 2,916 bilhões no resultado operacional da companhia.

Segundo José Augusto de Castro, presidente em exercício da Associação Brasileira de Comércio Exterior do Brasil (AEB), os ganhos operacionais de 2011 tem mais ligação com aumento do volume de exportações do que com a valorização do câmbio, que pouco beneficiou o preço dos produtos vendidos pelas empresas ao mercado externo.

- As empresas não repassam o sobe e desce de câmbio para seus clientes. Desta forma, elas não aproveitaram a alta do câmbio no ano passado - explica Castro. - É preciso que a moeda volte a subir e se estabilize num patamar mais alto para ajudar as empresas. Mas não estamos vendo uma tendência assim.

Em seu balanço, a Petrobras registrou um crescimento de 14,5% na receita de vendas, para R$ 244 bilhões. Mas o aumento de custos na companhia pesaram, além da variação do dólar. As despesas somaram R$ 3,9 bilhões em 2011 por causa da depreciação cambial sobre o seu endividamento. No ano anterior, com a apreciação do câmbio de 4,3%, a empresa havia obtido uma receita de R$ 1,341 bilhão com a moeda.

Risco cambial e controle de preços

Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora, concorda que o aumento da captação em moeda estrangeira cria um risco cambial para as empresas. Mas acredita que se trata de um movimento que vai ajudar a controlar inflação e permitir a queda dos juros no Brasil.

- As empresas estão captando a um custo barato no mercado internacional. Isso vai reduzir o custo do que as empresas ofertam e incentivar a economia - avalia Velho.

A Klabin informou, pela assessoria de imprensa, que não se pronunciaria sobre os resultados. A TAM informou que, apesar da variação cambial, "segue com uma posição sólida de caixa, hoje em R$ 2,6 bilhões." Procuradas, outras empresas não se manifestaram sobre as perdas financeiras com o câmbio em 2011.