Título: Chávez confirma câncer e fará radioterapia
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Fonte: O Globo, 05/03/2012, O Mundo, p. 24
Presidente afirma que está em processo de recuperação; chavistas dizem que dúvida neste momento significa traição
HAVANA. Após mais de uma semana de tratamento em Havana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, confirmou que a lesão extirpada pelos médicos na última semana trata-se de um tumor maligno na região pélvica. Com a volta do câncer, o presidente afirmou que começará a se submeter a sessões de radioterapia nas próximas semanas, sem informar por quanto tempo seguirá o tratamento, e que a equipe médica não descarta usar medidas complementares. A confirmação do retorno da doença e a necessidade de mais um período afastado de Caracas lançam ainda mais dúvidas sobre a campanha de reeleição de Chávez, que tenta conquistar mais seis anos de mandato, após 13 anos no poder, nas eleições presidenciais de 7 de outubro.
Sem revelar onde está localizado exatamente o tumor e nem quais órgãos foram afetados até agora, Chávez apareceu em um programa gravado no sábado, em Havana, e exibido na TV estatal ontem, na Venezuela, com uma jaqueta azul e camisa vermelha, sentado na cabeceira de uma mesa, rodeado por alguns de seus principais ministros e familiares. Em uma coreografada encenação para mostrar que está exercendo o cargo, mesmo que à distância, apareceu assinando documentos, dando instruções e liberando recursos para projetos do governo. De um lado da mesa, estava a bandeira da Venezuela, com um retrato de Simón Bolívar, e do outro, a de Cuba, com um retrato do cubano José Martí.
O tratamento foi definido após a realização de exames a partir da lesão extraída em uma cirurgia realizada na noite de domingo, dia 26, e a madrugada de segunda-feira.
- O estudo anatomopatológico foi feito com o rigor científico exigido e confirmou que o tumor, extirpado em sua totalidade, é uma recorrência do câncer diagnosticado inicialmente - disse. - A mim não me surpreendeu em nada a informação. Quando apareceu a lesão no exame anterior e me informaram, em Havana, que isso exigiria uma nova e rápida intervenção, quase tudo indicava que fosse também um tumor cancerígeno, da mesma natureza do anterior, o que se chama de recorrência, mas era preciso esperar a confirmação histológica.
Segundo o jornalista e blogueiro venezuelano Nelson Bocaranda, os exames de materiais retirados para biópsia foram feitos no Brasil e nos EUA. Já o médico José Rafael Marquina, que tem comentado a saúde do presidente em sua conta no Twitter, disse que a radioterapia será feita com cuidado em zonas onde há metástase, evitando áreas próximas do intestino.
Dilma fez recomendações sobre a campanha
Ainda assim, o presidente negou que a enfermidade tenha se espalhado para outros órgãos e se declarou bastante otimista em relação ao tratamento. Ele disse ter sido informado pela equipe médica que está em melhor situação do que quando foi operado pela primeira vez.
- A cicatrização é perfeita em relação ao tempo transcorrido (desde a cirurgia), estamos fazendo fisioterapia, caminhadas e tenho uma função digestiva integral e totalmente normal - acrescentou, resumindo seu processo de recuperação como "franco, sustentado, progressivo e rápido".
Com sinais de uma religiosidade crescente, o presidente agradeceu "a Deus, à Virgem, aos santos, aos espíritos da savana e ao amor do povo" e disse que adquiriu o hábito de acender velas.
O presidente agradeceu todas as manifestações de solidariedade de presidentes, como Evo Morales, da Bolívia, Juan Manuel Santos, da Colômbia, Rafael Correa, do Equador, Cristina Kirchner, da Argentina, em especial o telefonema de Dilma Rousseff.
- Mando um beijo para ela. Ontem (sexta) ela me deu algumas recomendações sobre a campanha porque ela também teve de enfrentar uma campanha sabendo de seu câncer.
Da mesma forma expressou afeto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mandando um abraço para ele e dizendo que está saindo de uma situação difícil, em referência ao câncer. O venezuelano aproveitou para enviar uma mensagem de agradecimento ao ex-jogador e ex-técnico da seleção argentina Diego Maradona, dizendo que telefonaria para ele.
Chávez comentou ainda que os porto-riquenhos da banda Calle 13 o convidaram para cantar com eles no Haiti e que está disposto a aceitar. Para mostrar que apesar do afastamento continua inteirado dos fatos, Chávez felicitou Vladimir Putin pela vitória nas eleições russas e condenou as ações estrangeiras contra o regime de Bashar al-Assad.
A confirmação da doença mobilizou os principais aliados em Caracas. Diante das especulações sobre o futuro do regime bolivariano sem Chávez, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, encabeçou um ato de apoio ao presidente no estado de Nueva Esparta. Ele exortou o povo venezuelano a se fazer "cada dia mais chavista" e orientou a população a fugir "dos caminhos do chavismo light". O político estimulou Chávez a tomar o tempo necessário para o tratamento e disse que a equipe de governo estará nas ruas fazendo campanha por sua reeleição, reiterando que o candidato do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) é o presidente. Segundo ele, qualquer dúvida neste momento significa traição.
Em tom semelhante, o vice-presidente Elías Jaua disse em um programa de televisão que não há divisões entre os seguidores de Chávez e que "nenhum de nós aspira a suceder Chávez e sim a acompanhá-lo".