Título: Síria sofre primeira fratura no governo Assad
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Fonte: O Globo, 09/03/2012, O Mundo, p. 35

Vice-ministro do Petróleo renuncia por crimes do regime, e ativistas descobrem 44 corpos em Homs

Reuters

DAMASCO. À sombra de denúncias de um novo massacre na cidade de Homs, dessa vez no bairro de Jobar, ao Sul do devastado Baba Amro, a primeira deserção de um alto funcionário do governo da Síria encorajou a oposição ao presidente Bashar al-Assad. Em um vídeo postado no YouTube, o vice-ministro do Petróleo Abdo Hussameddin não só renunciou ao cargo como prometeu se unir à revolução - recebendo as boas vindas imediatas do Conselho Nacional Sírio (CNS), a maior facção opositora do país.

- A principal razão pela qual outros ainda não desertaram é que por 50 anos esse regime escravizou as pessoas e transformou-as em robôs - disse o presidente do CNS, Burhan Ghalioun.

A gravação não especifica data ou local. O vice-ministro demissionário, de 58 anos, afirmou ter sido integrante do governo durante 33, tendo sido alçado ao último posto em 2009.

- Recomendo a todos os meus colegas que me sigam e abandonem o barco furado. Não quero terminar minha vida profissional servindo aos crimes do regime - declarou Hussameddin, que também parabenizou os militares desertores do Exército Livre da Síria (ELS) pela "recusa em ficar ao lado do açougueiro". - Peço que se unam para acabar com esse regime injusto.

Embora seja a primeira deserção política de alto escalão, alguns analistas viram o episódio com ressalvas. Hussameddin é sunita - uma minoria dentro do regime controlado estritamente pelo setor alauíta, do qual pertence a família Assad. Ou seja, trata-se de um racha, mas nada que seja, ainda, capaz de fraturar irreversivelmente o baathismo que, aliás, completou ontem 49 anos desde o golpe de Estado 1963, quando o partido nacionalista árabe chegou ao poder.

- As deserções aumentaram gradualmente, mas nos rankings mais baixos do Exército. A maioria dos ministros permanece leal. Se quisessem desertar, teríamos visto isso mais cedo. Não é um abandono que vai mudar a situação, só se houver algum tipo de golpe dentro do próprio regime - observou a pesquisadora síria Rime Allaf, do centro de estudos britânico Chatam House.

Ainda no campo diplomático, a vizinha Turquia voltou a pressionar por uma solução - sobretudo diante do crescente número de refugiados sírios em seu território. Em visita à Tunísia, o presidente turco, Abdullah Gul, disse que seu país é contra uma intervenção estrangeira ocidental na Síria.

- Somos contra o uso da força de fora da região. Isso poderia ser uma exploração - declarou, destacando, porém, disposição em participar de uma força de paz árabe.

ONU prepara plano de ajuda para 1,5 milhão

A violência continuou ontem em vários pontos da Síria. Segundo os Comitês de Coordenação Local, 64 pessoas morreram. Em Homs, enquanto tanques do Exército abriam fogo contra Khaldiyeh, ativistas denunciavam a descoberta de 44 corpos em outro bairro, Jobar. Todas as vítimas seriam de duas famílias sunitas, os clãs Tahhan e Rifaei.

Em Genebra, o coordenador de Assuntos Humanitários da ONU, John Ging, anunciou o preparo de um plano de contingência capaz de ajudar 1,5 milhão de pessoas por 90 dias - ao custo de US$ 100 milhões. Após uma reunião com ministros sírios em Damasco, a enviada especial da ONU à Síria, Valerie Amos, se disse devastada com o que viu em Baba Amro, na cidade de Homs, onde esteve durante 45 minutos na quarta-feira:

- A devastação lá é significativa; aquela parte de Homs está completamente destruída, e estou preocupada em saber o que aconteceu com a população que vive lá.