Título: Passos largos contra Correa
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 09/03/2012, O Mundo, p. 34

Antigos aliados, indígenas equatorianos iniciam protesto e comprometem base do presidente

Com a imagem arranhada no cenário internacional após o processo contra o principal jornal do país - e de ter sido obrigado a recuar e anunciar o perdão à imposição de uma multa de US$ 40 milhões -, o presidente do Equador, Rafael Correa, enfrenta agora um dos maiores protestos internos contra o seu governo, vindo dos indígenas que o ajudaram a chegar ao poder. A Grande Marcha Plurinacional da Dignidade Nacional, convocada por organizações indígenas e movimentos de oposição, percorrerá cerca de 700 quilômetros para chegar no próximo dia 22 a Quito.

A manifestação, uma das mais importantes desde que Correa chegou ao poder, há cinco anos, está sendo considerada pelo governo como parte de uma conspiração que busca desgastar a imagem do presidente faltando menos de um ano para as eleições de fevereiro de 2013. A resposta de seguidores de Correa foi rápida: ontem, a capital do país foi cenário de uma grande marcha em apoio ao "processo revolucionário" liderado pelo presidente.

A marcha opositora começou ontem na região amazônica de Zamora Chinchipe, no Sul do país. De lá partiram cerca de mil pessoas, entre elas dirigentes indígenas e representantes da oposição na Assembleia Nacional.

- Nossos pedidos ao governo incluem o livre acesso de todos nossos jovens às universidades, a estabilidade dos servidores públicos, a anulação da Lei de Recursos Naturais e o fim da perseguição de líderes indígenas - disse ao GLOBO o governador de Zamora Chinchipe e líder indígena Salvador Quishpe, por telefone, após caminhar os primeiros quilômetros do trajeto.

Governo aponta motivação eleitoral

Uma das iniciativas criticada pelos organizadores da marcha foi a assinatura, esta semana, de um contrato de exploração de cobre com a empresa chinesa Ecuacorriente. A Conaie, uma das principais organizações indígenas do país, considera inadmissível o acordo e exige a regulamentação de leis sobre a utilização da água e redistribuição de terras em todo o Equador.

- O contrato com a Ecuacorriente viola nossa Constituição, já que permite a exploração numa aérea que está protegida, a reserva de biosfera Cóndor Podorcarpus - explicou Quishpe, quase sem fôlego para falar.

A aliança entre Correa e os movimentos indígenas entrou em crise em 2009, principalmente pela política oficial em matéria de mineração e proteção dos recursos naturais. Paralelamente, lembrou o editor de política do jornal "El Comércio", Carlos Rojas, "o governo passou a criminalizar os protestos sociais e nos últimos anos cerca de 200 dirigentes indígenas foram presos".

Ontem, Correa agradeceu, da sacada do Palácio de Carondelet, o apoio a seus seguidores que marcharam em Quito e declarou que os manifestantes da oposição "têm todo o direito de protestar pacificamente, mas se for de forma violenta, aplicaremos a lei". O governo proibiu a utilização do transporte público para trasladar manifestantes da oposição, medida que foi considerada um boicote por parte de organizações indígenas.

Na visão de congressistas da governista Aliança País, a marcha indígena foi encomendada "por dirigentes que estão buscando posicionar-se na campanha eleitoral e não representam os interesses dos milhões de indígenas que vivem no país".

Jaime Abril, da Aliança País, assegurou que o governo Correa "defende uma mineração responsável e que favorece economicamente as comunidades indígenas".

Já Quishpe considera que o Executivo está em poder de forças de direita e defende "um Equador para os equatorianos e não para as empresas transnacionais".

A marcha representa, na visão do analista político equatoriano Simón Pachano, "o ressurgimento de uma oposição de extrema esquerda, que decidiu enfrentar um governo que, claramente, não a representa".

- É um governo que defende uma visão de desenvolvimento arcaica, que inclui representantes da direita. Correa pode ser tudo menos progressista - diz o analista, que critica a forma de Correa lidar com as críticas- Correa diz ser um democrata, mas não admite conviver com setores críticos a seu governo. Para ele, os opositores são todos conspiradores que pretendem derrubá-lo. Correa acredita que a oposição é sempre golpista e seu desejo, verdadeiro, é esmagá-la.