Título: Como tolerar a arrogância da Fifa
Autor: Mkhondo, Rick
Fonte: O Globo, 09/03/2012, Opinião, p. 7

Quando oficiais, funcionários, representantes, confederações, associações filiadas e árbitros da Fifa, bem como um número indeterminado de "membros listados", chegam a um país para organizar e preparar o palco para a Copa do Mundo, eles chegam ostentando uma atitude considerada arrogante, mas também uma confiança inconfundível.

E por que os funcionários da Fifa não deveriam exibir arrogância e confiança? Afinal, muito antes de sua chegada, o governo do país-sede geralmente assina acordos com garantias inequívocas de segurança e infraestrutura, entre outros compromissos. Isso aconteceu na África do Sul e o mesmo destino está reservado para o Brasil.

Durante a Copa de 2010, vários órgãos do governo sul-africano assinaram 17 acordos desse tipo, posteriormente (conforme exigência da própria Fifa) consolidados na "Lei de Medidas Especiais de 2006 para a Copa do Mundo Fifa de 2010". Entre as garantias estava a reserva dos "direitos de mídia e marketing" para a Fifa, que havia ainda protegido os seus direitos de comercialização.

As garantias incluíam ainda restrições a possíveis variações do logotipo oficial, bem como logotipos e emblemas de eventos anteriores, e fotos dos desenhos do troféu Fifa World Cup e o Jules Rimet Cup. Eles foram mais longe e proibiram o uso do termo "República da África do Sul (RSA) 2010" e "África do Sul 2010", bem como a utilização dos nomes de cidades-sede com "2010" atrás.

Isso se tornou uma questão bastante controversa. Assim como aconteceu na África do Sul, a Fifa logo estará na linha de fogo do público brasileiro. Ela será acusada de cometer todo tipo de injustiça abominável contra o público. Afinal de contas, eles não pagam nenhum tipo de imposto, ignoram o controle cambial, comercializam todos os aspectos do evento, reservam os direitos autorais de palavras como "World Cup", aparentemente cobram preços exorbitantes, declaram "zonas de exclusão", silenciam jornalistas com exigências para acreditação que incluem não expressar críticas, e são muitas vezes vistos como um atentado à liberdade de expressão.

O Brasil precisa entender que sediar a Copa do Mundo é um direito seu, conquistado ao ganhar a licitação da Fifa que incluiu outras nações. Precisa entender ainda que, para maximizar a receita, a Fifa sempre esteve focada em extrair o maior benefício financeiro possível de sediar o torneio.

A Fifa vende os direitos para o maior lance e, como qualquer bom monopolista, nunca está disposta a vender barato os seus bens. Ela e o governo sul-africano assinaram 17 garantias que regulavam o fluxo de benefícios associados com o torneio. Algumas das garantias giravam em torno da publicidade a ser exibida em um raio de 1 km do estádio e ao longo de todas as principais vias de acesso. Essa publicidade era restrita às empresas pré-aprovadas pela Fifa, para quem os lucros eram canalizados.

Outros requisitos incluíam o fechamento de pistas em rodovias para uso exclusivo da Fifa, bem como reserva exclusiva de hotéis, escritórios com acesso ilimitado de telefone e internet, catering, e assim por diante.

O poder e a arrogância da Fifa são direitos que o Brasil precisa entender. O órgão baseado em Zurique é muitas vezes comparado a um governo soberano, e tem um poder que faz com que os governos se dobrem às suas exigências, o que lhes permite ditar as regras do jogo com impunidade.

Alguns podem dizer que isso é o que permite que o futebol funcione e prospere em nível global. Outros podem dizer que é a arrogância da Fifa que ajuda a engordar os seus cofres, com reservas financeiras de quase US$ 1,3 bilhão, um montante maior do que a produção econômica anual de alguns países.

Os oficiais da Fifa podem, literalmente, se dar ao luxo de serem arrogantes. Estão apenas protegendo os seus interesses e direitos comerciais. É por isso que contratam um verdadeiro exército de excelentes advogados locais para proteger os seus direitos durante o evento.

Para o Brasil, isso significa que é impossível obter lucro direto da Copa do Mundo e suas marcas resgistradas. Em vez disso, o Brasil deve estudar outros meios de maximizar os benefícios gerados pelo evento. Em primeiro lugar, deve haver um entendimento de que a Copa do Mundo nunca será uma panaceia para curar todos os males sociais e econômicos do país. O evento serve simplesmente como uma base que o país poderá utilizar para resolver esses males.

Para a África do Sul, houve cinco benefícios: desenvolvimento da infraestrutura, geração de emprego, crescimento do turismo, desenvolvimento da marca continental e coesão social.

O legado de infraestrutura foi enorme. Seis novos estádios - em Joburg, Mbombela, Durban, Polokwane, Cidade do Cabo e Nelson Mandela Bay - agora servem ao futebol e outros eventos. Muito dinheiro entrou para a construção de infraestrutura de transportes, hotéis e salas de conferência. Cento e cinquenta mil novos empregos foram gerados em vários setores. No final do torneio, o governo afirmou que o crescimento econômico anual aumentou para 3,1%. Sabemos que um maior crescimento, em torno de 4 a 5%, é necessário se quisermos combater a taxa de desemprego. Mas qualquer crescimento é melhor do que nada.

No turismo, o torneio trouxe milhares de fãs do futebol ao país e eles agora são nossos embaixadores. O evento esportivo promoveu a África do Sul como destino para milhares de pessoas.

Para o Brasil, assim como na África do Sul, os potenciais benefícios de sediar o torneio são multidimensionais. O fator de bem-estar vai beneficiar o país mais do que o aspecto econômico e isso vai continuar muito tempo depois de o apito final ter sido soprado.

O mundo testemunhou os efeitos do esporte como força de união na África do Sul, e ele testemunhará o mesmo no Brasil em 2014.

Como na África, a Fifa estará

na linha de fogo do público

brasileiro

RICK MKHONDO foi diretor de

Comunicações do Comitê Organizador

da África do Sul durante a Copa do

Mundo de 2010.