Título: Bicho solto
Autor: Moura, Athos
Fonte: O Globo, 10/03/2012, Rio, p. 16

Ministro do STJ concede habeas corpus aos contraventores Anísio e Luizinho, que vão responder a processos em liberdade

HÉLIO DE OLIVEIRA, o Helinho

Athos Moura athos.moura@oglobo.com.br Rafael Galdo rafael.galdo@oglobo.com.br

Mais uma vez vale o escrito - no caso, pelo Judiciário - e o bicho fica solto. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu anteontem à noite habeas corpus que beneficiam os bicheiros Aniz Abraão David, o Anísio, patrono da Beija-Flor de Nilópolis, e Luiz Pacheco Drummond, o Luizinho Drummond, presidente da Imperatriz Leopoldinense. Os dois são acusados de formação de quadrilha e exploração do jogo do bicho. Com a decisão do STJ, tomada pelo ministro Sebastião Reis Júnior, Luizinho, que era considerado foragido, responderá ao processo em liberdade, assim como Anísio, que estava preso e hospitalizado desde 11 de janeiro.

Os argumentos para conceder o benefício aos dois foram basicamente o mesmo: o ministro considerou que, no pedido de prisão, as fundamentações eram genéricas. A alegação é semelhante à do habeas corpus, concedido também por Reis Júnior, em 17 de fevereiro passado, suspendendo a ordem de prisão contra outro bicheiro, Hélio de Oliveira, o Helinho, ex-presidente da escola de samba Grande Rio.

Anísio, Luizinho e Helinho (também acusado de formação de quadrilha e exploração do jogo do bicho) passaram a ser procurados, juntamente com outras 57 pessoas, durante a Operação Dedo de Deus, deflagrada em dezembro pela Polícia Civil e pelo Ministério Público estadual. Também acusados na mesma ação, Mário Tricano, ex-prefeito de Teresópolis, teve a prisão revogada em fevereiro pelo juiz Rubens Soares Sá Viana Júnior, e Yuri Reis Soares, filho do presidente de honra da Grande Rio, Jayder Soares, foi beneficiado por uma decisão do STJ anteontem.

Ministro diz que faltou fundamentação

No caso de Luizinho, o ministro do STJ argumentou que não havia demonstrações individualizadas da necessidade de sua prisão cautelar. Ou seja, na ordem de prisão, observou Reis Júnior, não constava sequer uma menção específica acusando o dirigente da Imperatriz diretamente. "Pela leitura da íntegra da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, verifica-se não ser feita nenhuma menção a Luiz Drummond. Tal fato, por si só, ao menos em juízo inicial, demonstra a inexistência de circunstância suficiente para demonstrar o preenchimento dos requisitos autorizadores da prisão preventiva", afirmou o ministro ao conceder o habeas corpus, pedido no dia 5 deste mês.

Já no caso de Anísio, assim como no de Yuri, a decisão do STJ foi uma extensão do habeas corpus concedido a Helinho, também por fundamentações genéricas para a prisão. O pedido de extensão do benefício foi protocolado em 17 de fevereiro, mesmo dia em que o ex-presidente da Grande Rio foi beneficiado. Anísio, no entanto, preso em 11 de janeiro, continua sob custódia, até que a Secretaria estadual de Administração Penitenciária receba o alvará de soltura. O Tribunal de Justiça do Rio recebeu ontem à tarde a notificação sobre o habeas corpus.

Anísio está internado no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, sob vigilância de agentes da secretaria. De acordo com o advogado dele, Ubiratan Guedes, o contraventor deve receber alta em no máximo dez dias, para responder ao processo em liberdade.

De acordo com investigações da Corregedoria da Polícia Civil, a quadrilha de contraventores, para melhorar os negócios, investiu em tecnologia, utilizando máquinas de anotação eletrônica do jogo do bicho. No dia da deflagração da Operação Dedo de Deus, em dezembro do ano passado, policiais civis chegaram a descer de rapel, de um helicóptero, na cobertura de Anísio, na Avenida Atlântica, em Copacabana. O contraventor não estava em casa. Ele foi preso cerca de um mês depois, quando fazia exames numa clínica particular.

Já ao procurar Helinho, em dezembro, a polícia encontrou R$3,9 milhões - além de 2.950 euros (R$6,9 mil) - na casa de um tio do dirigente da Grande Rio, na Barra da Tijuca. O dinheiro estava escondido em fundos falsos na parede, em caixas de luz, no sótão, sob plantas e até na tubulação de esgoto.

Os habeas corpus foram concedidos no mesmo dia em que outro ministro do STJ, Gilson Dipp, presidente da comissão de reforma do Código Penal, defendeu a criminalização do jogo do bicho, durante audiência pública no Senado. A comissão ainda não tomou uma decisão sobre a questão. Hoje, o bicho é uma contravenção penal.

- Sabemos que o jogo do bicho, não só no Rio de Janeiro como no Brasil, atrai toda espécie de crimes mais graves, como lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, homicídios - disse Dipp durante a audiência no Senado.

Enquanto respondem aos seus processos em liberdade, os bicheiros deixam a linha de frente das escolas de samba. Desde antes do carnaval, já se falava sobre isso em relação a Anísio e a Beija-Flor. A Grande Rio está sendo comandada pelo empresário Edson Alexandre, enquanto Helinho se recupera de uma cirurgia na coluna - a posse oficial do novo presidente deve acontecer até o fim deste mês. Já na Imperatriz, haverá eleições para a presidência entre o fim de abril e o início de maio. Por enquanto, ainda não foram anunciados os candidatos, mas pessoas ligadas à escola dão como certo o afastamento de Luizinho e de sua família da agremiação.

- Vamos esperar o que ele (Luizinho) definir, se vai ser candidato ou não - disse o diretor de carnaval da Imperatriz, Wagner Araújo. - É muito bom para ele o habeas corpus. Mas com relação à escola não muda nada.

Não é a primeira vez que bicheiros são presos e pouco depois soltos. Desta vez, foram apresentados mais de cem pedidos de habeas corpus para liberar os contraventores. Cerca de 70 deles já tinham sido analisados e negados. Os advogados dos bicheiros recorreram então ao STJ. Agora, como os casos de Anísio, Luizinho e Helinho chegaram a uma instância federal, segundo o MP do Rio, só o Ministério Público Federal pode recorrer.

Em 1993, a cúpula do bicho - um total de 14 contraventores, incluindo o próprio Anísio, Luizinho e Castor de Andrade, então patrono da Mocidade Independente - foi presa, acusada de formação de quadrilha armada. Nos preparativos para o carnaval de 1996, todos os acusados já estavam soltos. Anísio, por exemplo, beneficiado com liberdade condicional, dava expediente no barracão da Beija-Flor, onde foi homenageado com faixas com mensagens como "A família Beija-Flor te ama".

Em 2007, Anísio voltou a ser presso

Em abril de 2007, Anísio voltou a ser preso, dessa vez na Operação Hurricane, da Polícia Federal. Mas, em agosto do mesmo ano, foi solto, graças a um habeas corpus. Na mesma ação, outros contraventores, como Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, e Antônio Petrus Kalil, o Turcão, foram presos, sendo logo depois liberados.

Na época, Capitão Guimarães era o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). Mas logo se afastou da função, desde então exercida por Jorge Castanheira. Capitão Guimarães, no entanto, juntamente com Anísio e Luizinho, continua integrando o conselho superior da Liesa. E Helinho da Grande Rio é o vice-presidente do conselho deliberativo da entidade.