Título: Matança de inocentes em Homs
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Fonte: O Globo, 13/03/2012, O Mundo, p. 29

Governo sírio e oposição se acusam por chacina de 47 mulheres e crianças sunitas

Enquanto americanos e europeus confrontavam a Rússia em busca de consenso visando a uma solução para a violência na Síria no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, no Oriente Médio, governo e dissidentes guerreavam em torno de um novo massacre na cidade de Homs. Durante a madrugada de ontem, 47 corpos de civis - todos mulheres e crianças sunitas - foram encontrados com marcas de tortura e assassinato bárbaro no bairro de Karm el-Zeitun, provocando uma rara concordância entre o regime de Bashar al-Assad e seus opositores: ambos admitiram a ocorrência da matança. O regime, porém, acusou "terroristas armados" pelas cenas de horror, amplamente divulgadas pelos dois lados. Ativistas de direitos humanos, por sua vez, asseguraram que a barbárie fora causada por soldados do Exército da Síria e pela shabiha, as milícias alauítas pró-Assad.

Vídeos divulgados na internet mostravam ao menos 11 corpos, amontoados em um necrotério improvisado - horas depois de o enviado especial da ONU e da Liga Árabe, Kofi Annan, deixar o país dizendo-se otimista. Segundo ativistas dos Comitês Locais de Coordenação, as vítimas são 26 crianças e 21 mulheres, algumas degoladas e depois queimadas. Centenas de famílias teriam fugido ontem de Karm el-Zeitun após uma série de bombardeios de artilharia semelhantes aos que devastaram o bairro de Baba Amro.

Wael al-Homsi, um dos ativistas da cidade, confirmou ter visto dezenas de corpos na região - um bairro próximo ao reduto alauíta de Homs - e ajudou a levá-los em uma picape até uma área controlada pela oposição. Moradores dizem que cerca de 500 homens, armados, em trajes civis e uniformes militares, fizeram uma espécie de arrastão, matando os integrantes de nove famílias e ateando fogo às casas.

- Ainda há corpos sob o que restou. Vi muito hoje, mas foi diferente, principalmente por conta das crianças mutiladas. Não consigo comer ou beber desde ontem - contou al-Homsi.

Em outro vídeo postado no YouTube, um homem aparece recebendo atendimento médico por conta de um ferimento provocado por arma de fogo nas costas. Ele se disse um sobrevivente da matança.

- Fomos detidos pelo Exército e entregues à shabiha. Depois de apanhar por duas horas, jogaram combustível e atearam fogo. Atiraram em umas 30 ou 40 pessoas - afirmou.

ONU e EUA pedem resposta uníssona

Segundo ativistas, houve ontem bombardeios contra cidades da província de Idlib e, em Deraa, no Sul da Síria, um carro-bomba teria matado uma menina e deixado mais de 25 pessoas feridas. Os relatos da selvageria em Homs, no entanto, causaram maior ultraje em Nova York, onde o Conselho de Segurança se reunia, mais uma vez, em busca de uma solução para a violência.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, instou o presidente Bashar al-Assad a agir "nos próximos dias".

- O governo sírio falhou na responsabilidade de proteger seu povo e, em vez disso, está submetendo seus cidadãos ao uso desproporcional da força. Essas operações vergonhosas continuam - denunciou Ban.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, acusou o governo de Damasco de cinismo por lançar ataques enquanto recebia o enviado da ONU e da Liga Árabe, Kofi Annan. E, num recado direto à Rússia e China - que já vetaram duas tentativas de resolução no Conselho de Segurança - rejeitou comparações entre as ações do regime e dos rebeldes:

- Acreditamos que chegou o momento de todas as nações, inclusive aquelas que bloquearam anteriormente nossos esforços, apoiarem a aproximação humanitária e política da Liga Árabe. A comunidade internacional deve dizer em uníssono, sem hesitação ou dúvidas, que a matança de sírios inocentes deve parar, e a transição política começar.

O apelo foi endossado por França e Reino Unido e, em Ancara, o Conselho Nacional Sírio (CNS) voltou a pedir uma ação estrangeira para "impedir o genocídio". Mas, nem assim, a Rússia parecia disposta a mudar de posição. O chanceler russo, Sergei Lavrov, admitiu que a violência preocupa o governo de Moscou, mas insistiu em destacar que o regime sírio está lutando contra grupos armados e não apenas contra manifestantes pacíficos:

- Exigências apressadas para a mudança de regime, a imposição de sanções unilaterais destinadas a provocar dificuldades econômicas e tensões sociais nos países, induzem a oposição a continuar seu confronto com as autoridades em vez de promover o diálogo. São receitas arriscadas de engenharia geopolítica que só resultam na expansão do conflito.