Título: O que a Grécia significa
Autor: Krugman, Paul
Fonte: O Globo, 13/03/2012, Opinião, p. 7
Então a Grécia deu oficialmente o calote nos credores privados. Foi um calote "ordeiro", negociado ao invés de simplesmente anunciado, o que suponho seja bom. Ainda assim, a história está longe de acabar. Mesmo com esse alívio em sua dívida, a Grécia - como outras nações europeias forçadas a impor austeridade numa economia deprimida - parece condenada a muitos anos mais de sofrimento.
Esta é uma fábula digna de ser contada. Nos últimos dois anos, a história da Grécia tem sido, segundo um recente texto sobre economia política, "interpretada como uma parábola sobre os riscos de irresponsabilidade fiscal". Não passa um dia sem que, nos EUA, algum político ou comentarista entoe, com um ar de grande sabedoria, que é preciso cortar gastos do governo imediatamente, ou vamos acabar como a Grécia, Grécia eu lhes digo.
Apenas para usar um exemplo recente, quando Mitch Daniels, governador de Indiana, apresentou a resposta republicana ao discurso do presidente Obama sobre o Estado da União, insistiu que "estamos a uma pequena distância de Grécia, Espanha e outros países europeus que hoje enfrentam a catástrofe econômica". Ninguém aparentemente lhe disse que a Espanha tinha baixo déficit governamental e superávit orçamentário às vésperas da crise; o país está em apuros devido aos excessos do setor privado, não do setor público.
Mas o que a experiência da Grécia de fato mostra é que se incorrer em déficits em tempos de fartura pode criar problemas - o que é o caso da Grécia, embora não o da Espanha - tentar eliminar déficits quando você já está em apuros é uma receita para depressão.
Hoje em dia, depressões econômicas induzidas por políticas de austeridade são visíveis em toda a periferia europeia. A Grécia é o pior caso, com o desemprego escalando para 20% e os serviços públicos, incluindo o setor de saúde, entrando em colapso. Mas a Irlanda, que fez tudo o que queria o pessoal da austeridade, também está em terrível estado, com o desemprego perto dos 15% e o PIB em queda de dois dígitos. Portugal e Espanha estão em situação crítica também.
Impor austeridade numa crise não inflige apenas grande sofrimento. Há evidência crescente de que é autodestrutivo mesmo em termos puramente fiscais, pois a combinação de receitas em queda devido à economia deprimida e perspectivas de longo prazo piores reduz a confiança do mercado e torna a carga da dívida futura mais difícil de carregar. Deve-se perguntar como países que estão sistematicamente negando um futuro a sua juventude - o desemprego entre jovens na Irlanda, que costumava ser menor do que nos EUA, é agora de quase 30%, chegando perto dos 50% na Grécia - conseguirão crescimento suficiente para pagar o serviço da dívida.
Não é isso o que devia ter acontecido. Há dois anos, quando muitos começaram a pedir um giro do estímulo para a austeridade, prometeram grandes vantagens em troca do sofrimento. "A ideia que medidas de austeridade possam trazer estagnação é incorreta", declarou, em junho de 2010, Jean-Claude Trichet, então presidente do Banco Central Europeu. Ele insistiu que, ao invés disso, a disciplina fiscal inspiraria confiança, e isso levaria ao crescimento econômico.
Cada ligeira melhora de um indicador de uma economia em austeridade era aclamada como prova de que essa política funciona. A austeridade irlandesa foi proclamada uma história de sucesso, não uma vez, mas duas - a primeira no verão de 2020 e de novo no último outono; em cada vez a suposta boa notícia rapidamente se evaporou.
Pode-se perguntar que alternativa países como Grécia e Irlanda tinham, e a resposta é que não tinham e não têm boas alternativas a não ser deixar o euro, um passo extremo que, realisticamente, seus líderes não podem dar até que todas as outras opções tenham falhado - um estado de coisas tal que, se me perguntarem, diria que a Grécia dele se aproxima rapidamente.
A Alemanha e o Banco Central Europeu poderiam ter agido para tornar esse passo extremo menos necessário, tanto ao exigir menos austeridade quanto ao fazer mais para impulsionar a economia europeia como um todo. Mas o principal ponto é que os EUA de fato têm uma alternativa: temos nossa própria moeda e podemos tomar empréstimos a prazos longos e a juros historicamente baixos; então, não necessitamos entrar numa espiral descendente de austeridade e contração econômica.
Então, é tempo de parar de invocar a Grécia como um exemplo de cautela diante do perigo dos déficits; de um ponto de vista americano, a Grécia deveria, ao contrário, ser vista como exemplo dos perigos de tentar reduzir o déficit rapidamente demais, enquanto a economia ainda está profundamente deprimida. (E sim, a despeito de algumas boas notícias ultimamente, nossa economia ainda está profundamente deprimida.)
Se você quer saber quem está realmente tentando transformar os EUA em Grécia, não são os que defendem mais estímulos à economia; são os partidários de que imitemos a austeridade ao estilo grego, embora não enfrentemos constrangimentos de crédito ao estilo grego, e assim mergulhemos numa depressão ao estilo grego.
PAUL KRUGMAN é Prêmio Nobel de
Economia e colunista do "New York Times"