Título: Divisão de poder e engajamento de líderes mudaram
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 18/03/2012, Economia, p. 30

Há 20 anos, chefes de Estado e governo foram mais participativos. Hemisfério Norte dava as cartas

ABERTURA DO Fórum de Oradores: preocupações menos emergenciais

BRASÍLIA. Há quase 20 anos, a capital fluminense era palco da mais bem-sucedida conferência da história das Nações Unidas, a Rio-92, que reuniu 108 chefes de Estado e de governo e produziu uma série de documentos e acordos que até hoje norteiam a discussão ambiental no mundo. Foi na ocasião que o conceito de desenvolvimento sustentável se consagrou. Em junho, a mesma cidade sediará a Rio+20, conferência da ONU que pretende dar soluções para problemas como mudanças climáticas e o consumo desenfreado da população. Com o Brasil à frente das negociações, o governo da presidente Dilma Rousseff quer dar um viés econômico e social à discussão que, no passado, manteve-se essencialmente na esfera ambiental.

Os principais atores da Rio-92 e da Rio+20 veem uma enorme distância entre as duas conferências, e o que as separa não são apenas duas décadas. O ex-presidente da República e hoje senador Fernando Collor de Mello aponta que os grandes temas que serão debatidos em junho estavam presentes há 20 anos, como a preocupação com o efeito estufa e a necessidade de o mundo buscar uma matriz energética limpa. A diferença, segundo Collor, é que as mudanças climáticas não representavam a ameaça que atualmente significam e que não há, agora, o mesmo engajamento de líderes mundiais.

Collor critica a falta de ambição da ONU e do próprio governo brasileiro na agenda da conferência e diz não acreditar em resultados. Apesar disso, defende que seja incluído no documento final um compromisso de todos quanto ao "não retrocesso" dos avanços já alcançados em 1992.

- Não há grandes lideranças engajadas. Estamos às voltas para elevarmos as ambições da ONU e do governo brasileiro. Temos que alcançar o mesmo nível de ambição que teve a Rio-92.

Para a Rio+20, ainda há dúvidas sobre a participação do presidente americano, Barack Obama. O primeiro-ministro do Reino Unido, James Cameron, já avisou que mandará seu vice representá-lo.

O governo brasileiro diz que já há 80 confirmações de chefes de Estado e de governo. Na copresidência do evento, o Ministério do Meio Ambiente acredita que a conferência deste ano reunirá 120 líderes mundiais. Já confirmaram presença a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, e o premier indiano, Manmohan Singh. O governo francês também avisou que quem quer que ganhe as eleições presidenciais de abril virá.

À frente da Comissão de Finanças da Rio-92, o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero lembra que, há 20 anos, duas grandes convenções sobre mudança climática e biodiversidade ainda não haviam sido assinadas:

- Foi na conferência que se criou o conceito de desenvolvimento sustentável. Não havia essa noção da economia verde, de que era preciso começar uma transição para economia de baixo carbono, criando incentivos para alternativas energéticas. O Protocolo de Kioto foi assinado em 1997.

Outra importante diferença apontada por Ricupero é que o Brasil sairá da condição de vilão desmatador de suas florestas e assumirá uma posição mais confortável, especialmente depois de ter anunciado meta de desmatamento zero.

O secretário-executivo da Comissão Nacional da Rio+20, embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, afirma que uma das diferenças entre as duas conferências é a mudança no eixo de poder. Em 1992, quando o contexto internacional era o fim da Guerra Fria e o colapso da União Soviética, os países ricos davam as cartas sozinhos nas negociações internacionais. Hoje os emergentes ganharam escopo econômico têm protagonizado o processo.

- Há um papel dos emergentes de liderança em certas áreas, que não havia antes. Nós, os emergentes, chegamos com soluções e aportes que não tínhamos. Hoje, o país do mundo que mais investe em renováveis é a China. Enquanto isso, há alguns países do Norte sendo muito afetados por problemas que antes eram do Sul.

Os negociadores da Rio+20 tentarão amarrar no documento final o estabelecimento de metas como dobrar, até 2030, o percentual de energia renovável na matriz energética do mundo, que, em 2006, segundo a Agência Internacional de Energia era de apenas 7%. Também pode haver metas para a redução gradativa do subsídio a combustíveis fósseis e para dobrar a taxa de eficiência energética até 2030.

Como negociador-chefe do Brasil na Rio+20, o embaixador André Corrêa do Lago diz que é fundamental que se avance na mudança dos padrões de consumo e de produção, que passa pelo convencimento da sociedade civil. Daí o engajamento desse setor ser tão importante.