Título: Regalia no cardápio
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2009, Política, p. 4

Deputados se preparam para discutir o fim do foro privilegiado, tema que já entrou na pauta outras 35 vezes sem que chegasse a ser debatido

Vacarezza acredita que a maioria dos parlamentares deve votar pelo fim do foro privilegiado para autoridades

Um plenário dividido e repleto de integrantes com pendências judiciais. Esse é o cenário montado na Câmara para discutir se o Congresso acaba de vez com o foro privilegiado, prerrogativa que dá às autoridades a possibilidade de serem julgadas apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Beneficiados por esse privilégio, 104 parlamentares tiveram seus processos reiniciados na suprema Corte depois de serem eleitos. Apesar de 66 deles ainda serem investigados em inquéritos, outros 38 já se tornaram réus em ações penais. Ao todo, 212 deputados possuem algum tipo de pendência com as diferentes esferas da Justiça.

Nos corredores do Congresso, há argumentos para todos os lados. Enquanto alguns insistem nos bons efeitos eleitorais que a proposta traria para o próximo ano, os mais de 100 deputados investigados no STF discutem sobre quais benefícios a curto prazo o fim do foro traria a eles. Pretendem ter a garantia de que, uma vez aprovada, a proposta levaria seus processos de volta para a primeira instância, reiniciando a contagem dos prazos. ¿Tem que ver o que acontece com a gente se essa proposta sair mesmo¿, disse ontem um deputado da base governista que é réu em duas ações penais e que, apesar da preocupação com o próprio futuro, tem dito publicamente que é a favor da matéria.

Para o líder do PT, Cândido Vacarezza, apesar das diferentes visões criadas em torno da proposta, a maioria dos parlamentares deve votar pelo fim do foro, independentemente dos motivos que tenham. ¿O mais importante é ter em mente o teor e as consequências futuras desse projeto. Quero acreditar que as pessoas não votarão apenas pensando nos próprios interesses¿, comenta.

Resistências Mas as pendências judiciais interferem, e muito, na forma de os parlamentares encararem a possibilidade de acabar com o foro. Tanto que o projeto já entrou na pauta do plenário 35 vezes e em nenhuma delas a discussão em torno dele sequer foi iniciada. O mesmo deve acontecer esta semana. A matéria está novamente na lista de votação, mas a discussão sobre ela não deve ser iniciada.

Memória Herança colonial

O privilégio do foro privilegiado, concedido a autoridades políticas, é uma herança dos tempos do Brasil colonial. Depois de o benefício ser proibido quando houve a instituição da República, foi ganhando força ao longo dos anos. Em 2002, já no fim do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o foro foi instituído integralmente e ampliado. Visando proteger o próprio presidente que sancionou as novas regras, foi aprovada a Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que alterava o Código de Processo Penal para ampliar competências dos tribunais superiores e estabelecer uma lista de autoridades que não poderiam ser julgadas em tribunais de primeira instância.

A nova lei passou, então, a permitir que apenas o STF julgasse essas autoridades em diferentes tipos de crimes, inclusive em processos por improbidade administrativa, que antes eram julgados pela primeira instância do Judiciário. A lei estendeu o privilégio também para ex-ocupantes de cargos públicos. Na época, FHC chegou a dizer que estava certo de que a reunião dos processos no Supremo ajudaria no trâmite das ações contra autoridades, mas a regra é criticada por juristas. Eles argumentam que a lei facilita a impunidade.