Título: Calor em tempo integral
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 29/03/2012, Ciência, p. 34

Dias e noites quentes se tornarão mais comuns no Brasil, prevê ONU

A elevação da temperatura do planeta acompanhada de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes parece ser mesmo uma tendência inexorável. E o Brasil é um dos países mais atingidos.

Novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), divulgado ontem, classifica como "muito provável" — o que representa uma probabilidade de 90% a 100% — o aumento de dias e noites quentes e a redução dos dias e noites mais frios em todo o mundo ao longo do próximo século. No Brasil, dias com temperaturas mais elevadas serão de 10% a 15% mais frequentes; enquanto as noites, especialmente no Sul e no Sudeste, até 25%.

— O relatório confirma a tendência de aumento das temperaturas que vemos desde 1950, mostra que variações climáticas não são tão naturais, e que a interferência do homem nesses processos é provável — concluiu o climatologista José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos autores do relatório, que está em Londres participando da conferência Planeta sob Pressão. — A mão do homem começa a aparecer.

A tendência é global, segundo o IPCC, que reúne os maiores especialistas do mundo em ciência do clima.

— Um dia muito quente, que costuma acontecer uma vez a cada 20 anos, deve se tornar um evento bienal na maior parte do planeta — ressaltou Sonia Seneviratne, do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, que também participa da conferência e integra o grupo responsável pela elaboração do relatório sobre eventos extremos, como secas e grandes tempestades.

O documento mostra que as secas vão se tornar mais frequentes. O Nordeste brasileiro é uma das regiões mais atingidas, ao lado de América Central, México, Europa Mediterrânea, norte da África, África do Sul e Austrália.

— O Nordeste é uma região semiárida, o que quer dizer que chove em metade do ano — explicou Marengo. — Mas, com o aquecimento e a degradação dos solos pela agropecuária há aumento do risco de desertificação.

Seca no Nordeste, temporais no Sul

Segundo o especialista, a desertificação do Nordeste aparece em mais modelos do que a tão propagada savanização da Amazônia.

Outra tendência relacionada ao Brasil que aparece com força no relatório é o aumento das chuvas no Sul do país, mais precisamente na área da Bacia do Prata. Em todo o planeta, a incidência de chuvas intensas deve ser mais frequente.

Eventos que aconteciam a cada 20 anos podem passar a acontecer numa escala temporal menor, de cinco a 15 anos. O número de tempestades mais violentas, com ventos de velocidade elevada, tende a aumentar.

Esta é a primeira vez que um relatório feito por um único grupo de cientistas reúne todo o conhecimento disponível em eventos extremos, como elevação de temperaturas, chuvas intensas e secas, e também de adaptação e prevenção para 26 regiões do planeta.

De acordo com o IPCC, o documento, que fará parte do quinto relatório do painel, a ser lançado em abril, "oferece um nível inédito de detalhes sobre eventos climáticos extremos baseado em uma ampla análise de mais de mil estudos científicos".

Segundo Marengo, o novo documento aprofunda algumas tendências apontadas pelo quarto relatório do IPCC, de 2007.

— Ele mostra uma piora em algumas áreas que não foram muito destacadas no relatório anterior — revelou.

O relatório sobre extremos destaca que políticas de prevenção e adaptação podem reduzir os impactos desses fenômenos e proteger as populações vulneráveis.n