Título: Mordida de 22,5%
Autor: Cristino,Vânia; Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2009, Economia, p. 10

Depois de muito relutar, o governo anunciou ontem que vai taxar, a partir de 2010, os ganhos dos depósitos na caderneta de poupança superiores a R$ 50 mil. A alíquota do Imposto de Renda, que deve render até R$ 1 bilhão por ano aos cofres públicos, será de 22,5%. O modelo anunciado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, difere do projeto apresentado meses atrás, em que a base de tributação seguiria o nível da taxa de juros. Para entrar em vigor, o projeto de lei que será enviado nos próximos dias ao Congresso Nacional terá que ser aprovado até dezembro próximo. Mas pouca gente acredita que haverá consenso entre os parlamentares em torno de um tema tão polêmico às vésperas de um ano eleitoral.

Segundo o ministro, a maioria dos poupadores (99%) têm depósitos inferiores a R$ 50 mil. ¿Portanto, estamos preservando os ganhos dos pequenos investidores. Esses não serão taxados¿, afirmou Mantega. ¿Em uma caderneta com R$ 52 mil, somente o rendimento dos R$ 2 mil pagará imposto¿, acrescentou. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, deu outro exemplo: no caso do poupador com R$ 60 mil na caderneta, apenas o ganho sobre os R$ 10 mil será taxado. Ele destacou que a alíquota de 22,5% se refere ao patamar máximo cobrado sobre a remuneração dos fundos de investimento de curto prazo (até seis meses). A tributação dos fundos não mudará, por enquanto.

¿Não há o que temer. Os investidores terão muito tempo para avaliar como ficarão as aplicações financeiras nos próximos meses¿, frisou Barbosa. Ele lembrou que, com o projeto de lei aprovado pelo Congresso, a tributação(1) sobre a caderneta passará a valer a partir de janeiro próximo. Mas, como o primeiro rendimento após a mudança só será creditado em fevereiro, é deste mês em diante que o IR será efetivamente pago.

Fuga Pelos dados do Banco Central, presidido por Henrique Meirelles, que defendeu a tributação da caderneta para continuar baixando os juros, os pequenos poupadores são donos da maioria das contas de poupança, mas detêm uma parcela pequena dos recursos. Enquanto 50,5 milhões de clientes possuem até R$ 100 em depósitos ¿ o que representa apenas 0,29% do saldo total da caderneta ¿, 1,7 milhão têm mais de R$ 30 mil e são donos de 47,12% do saldo da caderneta. O universo de poupadores com mais de R$ 50 mil e sujeitos às novas regras gira em torno de 895 mil pessoas.

O professor Roberto Zentgraf, coordenador do MBA do Ibmec, explicou que, com a taxação da poupança, o governo está se preparando para enfrentar a queda da taxa de juros futura, que poderia levar os investidores a deixar de comprar títulos públicos, migrando seus recursos dos fundos de investimento para a poupança. ¿No momento, essa migração não está ocorrendo porque os juros ainda estão altos¿, disse. Além disso, os bancos reduziram as taxas de administração dos fundos. ¿Independentemente da tributação, os pequenos investidores devem ficar na poupança¿, recomendou. ¿Só quando os recursos aplicados começam a se distanciar dos R$ 50 mil é que os fundos começam a ficar mais vantajosos¿, emendou.

Para chegar a essa conclusão, Zentgraf projetou para a poupança um rendimento de 6,5% ao ano nos próximos seis meses e de 8% ao ano para os fundos. Em uma aplicação de R$ 60 mil, o investidor ganha mais se ficar na caderneta de poupança. Mesmo tendo os R$ 10 mil que excedem o limite de R$ 50 mil tributados, ao fim de seis meses o poupador terá R$ 61.847. No fundo, o saldo será de R$ 61.824. A situação se inverte para um investimento de R$ 100 mil. Nesse caso, o fundo terá, ao fim de seis meses, R$ 103.040, e a poupança, R$ 102.838. ¿A tributação não resolverá, porém, todos os problemas. Mas, lá na frente, quando os juros forem mais baixos, teremos que discutir o assunto de novo¿, afirmou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

1- Todos atingidos A tributação valerá tanto para as contas novas quanto para as antigas. ¿Optamos por taxar os ganhos da poupança com mais de R$ 50 mil por dois motivos. Primeiro, para evitar a migração de grandes investidores para essa modalidade de investimento. Segundo, para evitar desequilíbrios e manter da caderneta como importante fonte de financiamento da casa própria¿, destacou o secretário. Quem tiver duas ou mais cadernetas com saldos inferiores a R$ 50 mil, será tributado na declaração anual do Imposto de Renda com base no valor total dos depósitos.