Título: Ofensiva contra a biopirataria
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Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2009, Opinião, p. 16

Ao curso dos últimos anos, intensificaram-se as investidas sobre a biodiversidade brasileira com o fim de recolher animais e plantas e enviá-los ao exterior via contrabando. Empresas internacionais situam-se na base da engrenagem criminosa, que inclui aventureiros com acesso aos sítios de maior potencial científico. Mediante o domínio do comércio ilegal assenhoram-se das espécies, extraem-lhes os elementos ativos e os patenteiam. A flora e a fauna roubadas tomam a forma, sobretudo, de medicamentos e cosméticos, desde logo comercializados no mundo, inclusive no Brasil. A biopirataria lavra fundo nas riquezas nacionais.

Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as operações causam prejuízos anuais ao país da ordem de US$ 2,4 bilhões. As normas que, hoje, opõem resistência aos saqueadores, contempladas na Medida Provisória n° 2.186-16, de 2001, revelaram-se impotentes para conter o esbulho. Após três anos de discussão no âmbito dos ministérios envolvidos, os ministros do Meio Ambiente, Carlos Minc, e da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, chegaram a um texto consensual de anteprojeto de lei.

A peça legislativa, estribada em 72 dispositivos, ordena medidas consideradas aptas para controlar o acesso e a coleta das variedades animais e vegetais pertencentes ao patrimônio genético nacional. Estabelece meios mais eficazes para o combate à pirataria e, ao mesmo tempo, abre à pesquisa brasileira as áreas de preservação ambiental. Exigências burocráticas para a realização de tarefas do gênero foram afastadas. Não há dúvida de que a proposta encerra avanço significativo em relação às regras sancionadas na MP nº 2.186-16. Caberá ao Palácio do Planalto submeter a matéria à aprovação do Congresso depois de examiná-la e declará-la consistente.

Remanescem, contudo, algumas dificuldades para que, na prática, a legislação recém-concebida atenda às expectativas de especialistas e pesquisadores. É indispensável complementá-la com alterações na Lei de Patentes, apontada por eles como vulnerável à ação criminosa de piratas ¿ algo que permita transformar o conhecimento acadêmico em saber industrial. Não é tudo. A Lei de Patentes não admite o patenteamento de moléculas naturais, em vigor em muitos países. No mais ¿ ainda advertência de cientistas ¿, bloqueia o processo técnico porque o pesquisador pode extrair o recurso genético, mas não pode patenteá-lo.

Como a iniciativa dos ministros do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia vai passar por estágio de decantação na Presidência da República e, a seguir, no Congresso, abrem-se duas oportunidades para enriquecê-la com a contribuição da inteligência científica. Fundamental é que, pela universalização do controle legal, se estabeleça cerco a todos os flancos da biopirataria.