Título: Um projeto de lei sob medida
Autor: Carvalho, Jailton
Fonte: O Globo, 31/03/2012, O País, p. 4

Proibição de bingo era só fachada para beneficiar Cachoeira

BRASÍLIA. Apresentado em 2002 pelo ex-senador Maguito Vilella (PMDB-GO), o projeto de lei 7.228 é revelador sobre o interesse de Carlos Cachoeira em manter fiéis aliados no Congresso. A proposição, citada nas conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal entre Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), aparentemente trata da proibição do jogo de bingo no Brasil. Entretanto, guarda um artigo que daria liberdade ao contraventor para atuar com desenvoltura no mercado de loterias oficiais.

Numa só tacada, a proposta de Vilella, atual prefeito de Aparecida de Goiânia (GO), tornaria crime a exploração do jogo de bingo, mas permitiria aos estados e ao Distrito Federal criarem suas próprias loterias, atividade hoje restrita à União.

O flanco para a exploração até do jogo do bicho ficou patente no relatório na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, produzido pelo ex-deputado Luiz Bittencourt (PMDB-GO). O texto foi redigido em abril de 2004: "A prevalecer esta intenção, os estados e o Distrito Federal poderiam, a seu critério, regular e autorizar quaisquer tipos de jogos, em concorrência com os da União, podendo, inclusive, legalizar jogos que se encontram hoje na clandestinidade, como é o caso do denominado "jogo do bicho".

Cinco anos depois, em diálogos gravados em 2009 e revelados pelo GLOBO na quinta-feira, Cachoeira pede a Demóstenes para acompanhar a tramitação do projeto na Câmara. Nas conversas, o senador promete interceder para tentar a aprovação do texto. Demóstenes alerta o contraventor sobre a proibição dos bingos, o primeiro artigo: "Então, inclusive te pega, né?"

Mas Cachoeira avisa que há a permissão para regularização de loterias estaduais, justamente onde o contraventor acreditava que poderia regularizar sua atividade.

Em abril de 2004, Luiz Bittencourt apresentou relatório suprimindo o artigo que daria aos estados o direito de explorar loterias estaduais. Porém, seu parecer foi rejeitado pelo ex-deputado Inaldo Leitão (PP-PB), que relatou a matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em dezembro de 2004. Desta forma, reabriu espaço para os estados explorarem loterias, o que interessava a Carlinhos Cachoeira. Esta foi a redação encaminhada à Mesa Diretora da Câmara, que até hoje mantém a proposta na gaveta. O que o contraventor preso pela PF queria de Demóstenes Torres, em 2009, era a aprovação deste projeto.