Título: Confiança em xeque
Autor: Fleck,Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2009, Mundo, p. 18

Troca de acusações marca reunião de chanceleres e ministros de Defesa para discutir os riscos de uma corrida armamentista na região

A reunião de chanceleres e ministros de Defesa da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) tinha como meta estabelecer um documento para ¿restaurar a confiança¿ entre os países da região, mas o que se viu, mais uma vez, foram trocas de acusações de todos os lados. O vice-presidente e ministro da Defesa da Venezuela, Ramón Carrizales, disse que a delegação colombiana não foi ¿transparente¿ ao deixar de mostrar o texto do acordo militar recém-fechado com os Estados Unidos. O chanceler da Colômbia, Jaime Bermúdez, pediu que o debate se estendesse à presença de ¿grupos terroristas¿ nos países da região ¿ em referência à acusação recorrente de que os governos de Caracas e Quito toleram acampamentos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

As acusações e demonstrações de receio extrapolaram os limites da reunião. A secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, pediu mais clareza a Caracas sobre as compras militares recém-fechadas com a Rússia. ¿Expressamos nossa preocupação em relação ao número de compras venezuelanas de armas. (¿) Isso levanta a questão de que pode haver uma corrida armamentista na região¿, afirmou. A resposta veio do chanceler Nicolás Maduro, ainda durante a reunião: ¿Essas declarações não têm embasamento político ou moral¿. Maduro lembrou que são os EUA que estariam movimentando esse tipo de compra, ao garantir acesso operacional a sete bases militares na Colômbia.

Também o ministro de Defesa venezuelano se pronunciou, garantindo que seu governo está disposto a informar detalhes sobre os US$ 2,2 bilhões gastos em material bélico russo. ¿Temos a obrigação constitucional de nos proteger. Compramos armamento apenas defensivo¿, justificou. Carrizales alfinetou o governo de Bogotá, dizendo que ¿a confiança começa com a transparência¿. ¿Não vimos nada de profundo, nem das letras miúdas do acordo (dos EUA com a Colômbia). Esse convênio representa uma grande capacidade estratégica para os EUA, que pretendem usar a base de Palanquero como base expedicionária¿, criticou.

Antes de se iniciar a reunião, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, reafirmou qual seria o principal pedido do país na reunião: garantias formais de que o pacto militar entre a Colômbia e os EUA não afetará a região. Segundo Amorim, os países têm autonomia em suas escolhas, mas elas podem causar ¿apreensões¿ em outros governos. ¿Por isso, insistimos na questão da transparência, na criação de medidas de confiança e nas garantias.¿

Colômbia O ministro de Relações Exteriores da Colômbia, Jaime Bermúdez, não deixou por menos os ataques da delegação venezuelana. ¿Assim como é importante discutir de maneira ampla e democrática as compras de armas, as garantias e os mecanismos de segurança, também o são a presença de grupos terroristas na região e a luta contra o narcotráfico¿, disse. Até mesmo o presidente Álvaro Uribe, que não participava da reunião, resolveu se pronunciar. Segundo ele, as armas compradas por seu governo servirão para recuperar a ordem pública interna do país e ¿não visam a uma corrida armamentista¿.

Quem também não esteve na reunião, mas não deixou de se pronunciar, foi o presidente do Peru, Alan García. Em uma carta, ele propôs ¿frear o armamentismo¿ na América do Sul. ¿Com urgência, a mais importante ação (do Conselho de Defesa da Unasul) deve ser a transparência e homologação dos gastos militares e das compras de novos recursos e tecnologias¿, escreveu García.

Até o fechamento desta edição, a reunião em Quito não havia sido encerrada, mas a expectativa era de que fosse aprovado um documento apresentado pelo Equador, baseado em seis pontos: intercâmbio de informações, transparência nos gastos de Defesa, cooperação em atividades militares, cumprimento e verificação, impactos migratórios ou ambientais e garantias. ¿Sem dúvida, não é um texto fácil. Buscamos uma visão abrangente, global e integral dos aspectos de segurança¿, afirmou o chanceler do Equador, Fander Falconí.

Nós temos a obrigação constitucional de nos proteger. Compramos um armamento apenas defensivo¿

Nicolás Maduro, chanceler da Venezuela

Boeing na ofensiva

A gigante norte-americana da aviação Boeing garantiu ontem que apresentará até a próxima sexta-feira uma oferta ¿bastante competitiva¿ para que seu caça F/A 18 Super Hornet seja o vencedor da concorrência F-X2 , que prevê para a compra de 36 aparelhos para a Força Aérea Brasileira (FAB). Falando à imprensa depois do primeiro de dois dias de conferências com empresários na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o vice-presidente da empresa responsável pelo programa F/A 18, Bob Gower, reafirmou o compromisso de transferir tecnologia referente a ¿tudo que está na proposta¿. E assegurou que a Boeing oferece um preço ¿muito menor¿ que o da rival francesa Dassault, favorita do Planalto com o Rafale, num pacote estimado em cerca de 5 bilhões de euros.

¿Estamos confiantes que a nossa oferta representa a solução de melhor valor para o Brasil, proporcionando a mais avançada tecnologia disponível, superior e comprovado sistema de apoio logístico e preço que é consideravelmente mais baixo que o apresentado pelo Rafale¿, disse Gower. Ele e o vice-presidente de Suprimentos Globais da divisão militar da empresa, Ron Shelley, reuniram-se com 140 potenciais parceiros. ¿Nosso objetivo é montar uma rede de fornecedores que representem o que há de melhor na indústria, e vislumbramos oportunidades promissoras no Brasil¿, disse Shelley. ¿As oportunidades para as empresas do maior país da América Latina vão muito além da concorrência F-X2.¿

Os executivos reiteraram a disposição da empresa de, caso vença a disputa, acertar a montagem de 24 dos 36 aviões na fábrica da Embraer, em São José dos Campos (SP). A Dassault faz proposta semelhante em relação ao Rafale, e a sueca Saab oferece montar no Brasil todos as 36 unidades do caça Gripen ¿ que, ao contrário dos concorrentes, está ainda em desenvolvimento.

A concorrência F-X2, que se desenrola há 10 anos, deve ser decidida até o fim deste mês, quando a FAB entregará seu parecer sobre os três concorrentes ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, que levará a decisão final para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No último dia 7, durante a visita do colega francês, Nicolas Sarkozy, Lula firmou comunicado conjunto que mencionava a ¿decisão política¿ de abrir negociações com a Dassault para a compra do Rafale. Diante das dúvidas causadas pela declaração, as empresas ganharam prazo até sexta-feira para reformular e detalhar melhor a proposta final.

Discutindo a relação O chanceler equatoriano, Fander Falconí, anunciou que começará a trabalhar com o colega colombiano, Jaime Bermúdez, em diretrizes ¿claras¿ para restabelecer as relações diplomáticas. Depois da reunião dos chanceleres da Unasul em Quito, os dois deverão manter um encontro bilateral durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, no próximo dia 22, em Nova York. Falconí também descartou, em um primeiro momento, a necessidade de um mediador, como havia sugerido o presidente Álvaro Uribe, que mencionou o nome do governador da província colombiana de Nariño, Antonio Navarro. ¿Nos pontos de conflito, podemos acudir eventualmente a centros de mediação especializados, personalidades ou buscar outros mecanismos¿, considerou.