Título: O Brasil mudou
Autor:
Fonte: O Globo, 02/04/2012, Opinião, p. 6

Apesar da grita dos numerosos porta-vozes dos rentistas, o Banco Central vem mantendo a tendência declinante da taxa Selic de juros. A última reunião do Copom estabeleceu a taxa anual de 9,75%, dando sequência a uma trajetória de queda que possa levar os juros no Brasil a um patamar civilizado. Muitas são as razões para a adoção desta política.

Os juros altos, por definição, prejudicam os setores produtivos da economia, favorecendo apenas o setor financeiro, que não gera riqueza. As altas taxas de juros praticadas no Brasil atraem o capital especulativo internacional.

Ele ingressa aqui apenas para explorar a diferença entre as taxas vigentes no Brasil e no exterior. Ganha- se dinheiro sem qualquer esforço produtivo.

A redução da taxa de juros tem também um efeito fiscal muito salutar. Cada ponto percentual a menos da taxa Selic acarreta uma redução de R$ 8 bilhões na dívida pública do Brasil. Isso tem um efeito altamente saudável, pois libera recursos necessários para novos investimentos em diferentes áreas, como saúde, segurança e infraestrutura, contribuindo assim para dinamizar a economia.

Ao desestimular a entrada de capital especulativo, a redução das taxas de juros permite conter a enxurrada de dólares e euros, promovida pelos Bancos Centrais dos Estados Unidos e da Europa. Essa ação leviana daquelas autoridades monetárias provoca hoje uma inundação de dólares e euros nos mercados internacionais.

A contenção dessa enxurrada de divisas estrangeiras faz parte da estratégia para evitar a supervalorização do real, já que esta supervalorização é danosa para Brasil, prejudica a competitividade internacional de nossos produtos e acarreta desindustrialização.

Além da redução da taxa de juros, conduzida pelo Banco Central, o Ministério da Fazenda recorreu ao aumento das alíquotas e de prazos de incidência do IOF (Imposto Sobre Operações Financeiras) sobre capitais especulativos que tentam entrar no Brasil.

Naturalmente, não cabe ao governo dar ouvidos aos rentistas nem aos colonizados que sempre armam uma grita quando julgam que algum protecionismo está sendo aplicado. O governo sabe que o protecionismo, sobretudo em época de crise, não é um bom conselheiro.

Mas o governo não ignora que americanos e europeus sempre praticaram protecionismo, mesmo quando a situação não era de crise. Cabe ao governo saber dosar as reações brasileiras.

O governo Dilma Rousseff tem cacife para aplicar esta política e obter respostas rápidas.

Pois o Brasil tem reservas cambiais, não depende de capitais especulativos, é credor internacional.

Não guarda a menor semelhança com o governo FHC, que chegou a praticar uma taxa Selic de assombrosos 45% ao ano. E mesmo assim, ou talvez por isso, naquela época tucana, nos primeiros sinais de crise na periferia do capitalismo, em países como México, Rússia e do Sudeste Asiático, o Brasil já estava batendo de pires na mão na porta do FMI. De 2003 para cá o Brasil mudou, mas os saudosos do neoliberalismo parecem não perceber.