Título: Guerra de palavras no aniversário de conflito
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 03/04/2012, O Mundo, p. 27

janaina.figueiredo@oglobo.com.br

Correspondente

BUENOS AIRES. Os governos de Argentina e Reino Unido aproveitaram o trigésimo aniversário da Guerra das Malvinas, completado ontem, para reforçar suas posições numa disputa que parece cada vez mais longe da eventual retomada das negociações sobre a soberania do arquipélago, como pleiteia a Casa Rosada. Em uma cerimônia em homenagem às 649 vítimas argentinas da guerra, na cidade de Ushuaia, extremo Sul do país, a presidente Cristina Kirchner assegurou que o discurso britânico é "cada dia mais absurdo, ridículo e inverossímil" e anunciou o envio de uma carta à Cruz Vermelha solicitando a ajuda da organização para negociar com o Reino Unido a identificação de 121 túmulos nas Malvinas cujas lápides dizem "soldado argentino apenas conhecido por Deus".

Em Londres, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, afirmou, em nota, que continuará defendendo a autodeterminação dos malvinenses que, segundo ele, "sofreram um ato de agressão que buscava tirar sua liberdade e estilo de vida". No mesmo dia, seu governo confirmou o envio do destróier HMS Dauntless — equipado com mísseis aéreos Sea Viper de última geração — às ilhas. O anúncio no início do ano do envio do navio, aliada à passagem do príncipe William, segundo na linha de sucessão, para um período de treinamento militar de seis semanas nas Malvinas, reacenderam a disputa diplomática entre Londres e Buenos Aires às vésperas do aniversário da guerra.

— As tropas britânicas corrigiram um erro profundo — disse Cameron, em referência à invasão das ilhas por parte de militares argentinos, em 2 de abril de 1982.

Em memorial londrino, vela ficará acesa por 74 dias

A declaração do premier britânico foi contestada por Cristina na inauguração de um monumento dedicado aos soldados que morreram em combate. Em tom irônico, ela acusou Cameron de não estar informado sobre as violações dos direitos humanos cometidas pela última ditadura militar (1976-1983).

— Parece que (Cameron) não sabia que naquele momento também estava confiscada a liberdade de todos os argentinos, que em nosso país existiam campos clandestinos de torturas — assegurou a presidente, que negou usar a questão Malvinas para desviar a atenção de problemas econômicos internos.

Ontem foi um dia de ataques recíprocos. Na Argentina, as mensagens contra o Reino Unido e o lema "as Malvinas são argentinas" foram onipresentes nas redes sociais. Os mortos foram lembrados em diversos atos espalhados pelo país, muitos organizados por associações de veteranos das Malvinas. Os únicos incidentes ocorreram numa marcha à embaixada britânica realizada pelo grupo esquerdista Quebracho, que terminou atirando pedras e coquetéis molotov, provocando o ferimento de quatro policiais.

Em Londres, uma vela foi colocada no memorial às vítimas da guerra e permanecerá acesa por 74 dias, período de duração do conflito no qual morreram 255 soldados britânicos. Em sintonia com a posição do governo Cameron, ex-combatentes do Reino Unido voltaram a justificar operações como o afundamento do cruzador General Belgrano, que matou 323 argentinos.

— Não tenho nenhuma dúvida de que afundar o Belgrano era o que tinha de ser feito por uma questão de sobrevivência — afirmou o vice-almirante Tim McClement, que na guerra comandou o submarino HMS Conqueror.

Para a Argentina, a ação britânica pode ser considerada um crime de guerra que, segundo ex-soldados como Ernesto Alonso, do Centro de Ex-Soldados Ilhas Malvinas, deverá ser julgado por tribunais de ambos os países. O centro apresentou à Suprema Corte de Justiça uma denúncia sobre violações dos direitos humanos cometidas por militares argentinos e britânicos.

— Este 30º aniversário está sendo muito especial porque a causa Malvinas cresceu e hoje representa nosso passado, presente e futuro — disse Alonso.

Para o ex-soldado, o boicote do governo argentino aos produtos britânicos e a ameaça de denunciar empresas que participem de explorações petrolíferas nas ilhas "fazem parte de uma nova política sobre Malvinas que busca unicamente o diálogo com um país que insiste em descumprir mais de 40 resoluções das Nações Unidas".

— Eles roubam nossos recursos naturais e nós reagimos. Nossa ação é política, jamais voltaremos a cometer o erro de participar de uma guerra — enfatizou Alonso.