Título: Salários abrem nova fissura na oposição síria
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 03/04/2012, O Mundo, p. 27

renata.malkes@oglobo.com.br

Até o próximo dia 10 de abril, as tropas das Forças Armadas da Síria deixarão as ruas das cidades do país e estarão recolhidas, de volta à caserna. A promessa foi feita pelo governo de Damasco ao enviado especial da ONU e da Liga Árabe à Síria, Kofi Annan — com a condição de que o cessar-fogo seja estendido à oposição armada ao regime de Bashar al-Assad. Em Genebra, porém, o porta-voz de Kofi Annan, Ahmad Fawzi, disse esperar que o cessar-fogo possa começar "em até 48 horas".

O otimismo, entretanto, é contido. Com o número de mortos no país ultrapassando os 10 mil, segundo a ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos, e relatos de pesados bombardeios contra cidades como Homs, o anúncio de Annan ao Conselho de Segurança da ONU não incomodou sequer a diplomacia russa — tradicionalmente uma feroz opositora de prazos e ultimatos a seu aliado em Damasco. A iniciativa conseguiu apenas renovar o ceticismo internacional quanto a uma saída viável para a crise, sobretudo diante de uma oposição cada vez mais rachada. Agora, por conta da decisão de financiar salários aos combatentes que se rebelam contra o regime.

— Nada. Não acreditamos nas intenções de Assad — disse ao GLOBO Obeida Nahas, do comitê-executivo do Conselho Nacional Sírio (CNS), maior órgão opositor, questionado sobre o que se podia esperar do novo prazo para o cessar-fogo.

Para opositor, "ameaça de uma nova Iugoslávia"

Segundo Nahas, as opções para a ação diplomática estão encolhendo rapidamente. Ele diz que o CNS apenas apoia publicamente o plano de Kofi Annan como "um primeiro passo para parar com a matança".

— Depois, podemos retomar o plano inicial, da Liga Árabe, e negociar uma saída para Assad e toda a cúpula do regime. Eles têm que sair. Disso, não abriremos mão — enfatizou.

A embaixadora americana na ONU, Susan Rice, foi a primeira a manifestar "preocupação de que o governo use os próximos dias para aumentar a repressão e a violência". A opinião ecoava longe dali, em Homs, alvo renovado da artilharia síria, onde ao menos 35 pessoas teriam morrido.

— Hoje não parece muito diferente de ontem ou anteontem. Bombas e mortes — resumiu o ativista Walid Fares.

Ontem, porém, a ordem no CNS era evitar esvaziar a iniciativa de Annan e conter os focos de críticas pela decisão de financiar os combatentes em ação no campo de batalha — tomada na conferência Amigos da Síria, em Istambul, no domingo. E contestada por parte da dissidência.

— O que estamos fazendo é ocupar o lugar do Estado. Assad está desmontando o Estado, deixando milhares sem emprego e sem dinheiro. Se há riscos de erros? Há. Mas as coisas já estão saindo erradas — justificou Obeida Nahas.

A medida fragmentou ainda mais uma oposição longe de ser uníssona após um ano de crise.

— Acho esse pagamento um insulto, quase uma propina — condenou Malik al-Abdeh, diretor da TV opositora al-Barada. — Sem influência no país, o CNS quer comprar o apoio político dos militares e desertores do Exército Livre da Síria. Vai levar à guerra civil e ainda atrair mercenários de fora. Vejo a ameaça de uma nova Iugoslávia na Síria.