Título: Desinformação mata
Autor: Neri, Márcia
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2009, Saúde, p. 21

O câncer de colo de útero é o segundo mais comum entre as mulheres. Falta de conhecimento sobre exames preventivos, higiene íntima adequada e bons hábitos sexuais e de saúde agrava risco Fernanda: câncer diagnosticado, cirurgia e espera por radioterapia

Até o fim de 2009, pelo menos 5 mil brasileiras morrerão em decorrência de um câncer no colo do útero. Em pleno século 21, o preconceito, a desinformação e a falta de métodos acurados para o diagnóstico da doença colaboram para que o mal atinja vidas que poderiam ser poupadas com bons exames preventivos e cuidados simples. Além das mortes, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que surgirão cerca de 19 mil novos casos desse tipo de tumor no país. Os fatores de risco para o câncer de colo do útero estão associados ao vírus do papiloma humano (HPV), à higiene íntima inadequada, ao início precoce da atividade sexual, à multiplicidade de parceiros, ao uso prolongado de contraceptivos orais e ao tabagismo. A doença chega sem muito alarde. Em seu estágio inicial, costuma ser assintomática. Tem grande incidência na faixa etária de 20 a 29 anos e representa mais risco para mulheres entre 45 e 49 anos, principalmente as menos instruídas. O mal é precedido por lesões na região, geralmente provocadas pelo HPV oncogênico ¿ vírus que pode causar tumores cancerígenos e é transmitido por meio do contato sexual ¿, presente em mais de 97% dos casos de câncer do colo do útero. ¿Infelizmente, por vergonha, constrangimento e desinformação, a maioria das pacientes chega aos consultórios com a doença em estágio muito avançado, minimizando as chances de cura. Exames preventivos podem detectar tanto as lesões pré malignas, causadas pelo HPV, quanto as lesões iniciais do câncer¿, alerta o cancerologista do Centro de Câncer de Brasília Murilo Buso. Segundo ele, é importante deixar claro que o vírus do HPV nem sempre esboça manifestações imediatas. ¿As mulheres promíscuas estão no grupo de risco, mas nem todas acometidas pelo câncer de colo do útero mantêm relações com diversos parceiros. O câncer não é uma doença só. Ele é decorrente de diversos fatores e problemas acumulados ao longo do tempo. Acredito que a educação é a grande arma contra esse mal. Exames preventivos, noções básicas de higiene íntima, uso adequado de preservativos e hábitos sexuais saudáveis podem salvar muitas vidas¿, garante Buso. Por pouco A professora de educação física Zirela Portaluppi, 25 anos, conseguiu evitar o pior quando descobriu estar infectada pelo HPV. ¿Fisicamente não sentia nada, nenhum incômodo, a não ser o causado por uma infecção oportunista no sistema urinário. Tinha 17 anos e acabara de iniciar minha vida sexual. Na época, não estava bem emocionalmente, andava muito estressada e não me alimentava direito. A imunidade estava baixa¿, relata. Exames detectaram lesões em estágio bem avançado. ¿Fiz duas cirurgias para me livrar dessas lesões, porque houve uma reincidência delas. Hoje, acompanho atentamente para evitar o retorno das feridas no colo do útero e os tumores malignos. O câncer não me atingiu por muito pouco¿, diz, aliviada. A balconista Fernanda Rocha, 39 anos, não teve tempo para deter o HPV e o câncer de colo do útero foi detectado, também sem apresentar sintomas, no exame ginecológico. ¿Levei um susto enorme, porque estou viúva há oito anos. Desde então, não tive relações sexuais. Em abril de 2008, o Papanicolau detectou o HPV, mas como faço prevenção em um hospital público, só consegui ter acesso ao exame para confirmar a presença do vírus quase um ano depois. Meu câncer avançava a passos largos. Fui submetida à cirurgia do colo do útero para retirar os tumores malignos e irei enfrentar sessões de radioterapia para garantir que eles não retornem¿, conta Fernanda. O câncer de útero tem cura, mas ainda mata 230 mil mulheres por ano no mundo. Entre os cânceres, é o segundo mais comum entre as mulheres, ficando atrás apenas do de mama. Sua incidência é duas vezes maior em nações menos desenvolvidas. Para o mestre em biologia celular e molecular da Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Júlio Cezar Merlin, as falhas do exame convencional do Papanicolau são responsáveis pela grande ocorrência no Brasil e na América Latina. ¿O material desse exame é coletado com uma espátula e transferido para a lâmina de vidro, que é remetida ao laboratório. O problema é que somente 18% das células colhidas são efetivamente transferidas para a lâmina, dando margem a resultados negativos falsos. Por isso, é comum que lesões pré-cancerosas ou mesmo o câncer não sejam sequer detectados¿, lamenta o biólogo. Em países desenvolvidos, um exame muito mais apurado é feito há mais de 10 anos. ¿É um método conhecido como citologia em base líquida. Por ele, 100% das células colhidas são transferidas para um meio líquido, dando poucas chances a erros de diagnóstico¿, acrescenta Merlin. Segundo ele, o exame já foi feito no Brasil na mesma época em que começou a ser usado nos Estados Unidos. Mas, por ser mais caro, não foi adotado como padrão. ¿A indústria farmacêutica prometeu trazê-lo de volta nos próximos meses por um valor mais acessível. Se isso realmente acontecer, a incidência do câncer do colo de útero pode diminuir bastante nos próximos anos¿, diz o especialista. Teste anual É o exame que previne o câncer de colo uterino. Deve ser realizado em todas as mulheres com vida sexual ativa pelo menos uma vez ao ano. Se o resultado do exame for negativo por três anos seguidos, a mulher pode fazê-lo de três em três anos. O método consiste na coleta de células do colo do útero. Para recolher esse material, é introduzida uma espátula vaginal para a escamação ou esfoliação da superfície externa e interna dessa região do órgão. O produto da raspagem é depositado em uma lâmina e enviado para laboratório Arquivo Pessoal/Divulgação