Título: Enriquecimento ilícito pode levar à prisão
Autor: Otavio,Chico
Fonte: O Globo, 07/04/2012, O País, p. 4

Comissão do Senado pode tornar hediondos crimes contra administração pública

No mesmo cenário onde se desenvolve o mais recente escândalo nacional, um grupo de juristas vai decidir, até o fim do mês, se os crimes contra a administração pública devem ser considerados hediondos e se o enriquecimento ilícito merece pena de prisão. São estas as derradeiras polêmicas da comissão criada pelo Senado, no ano passado, para elaborar o anteprojeto de Reforma do Código Penal. Apesar da pressão pública pelo endurecimento da lei, ainda não há consenso sobre o assunto. O trabalho tem de estar pronto até o dia 25 de maio, quando será entregue à apreciação do Senado. A dúvida sobre a melhor forma de punir a corrupção, o peculato e a dilapidação do patrimônio público, porém, não significa que os juristas pretendam uma lei branda e tolerante. O futuro Código Penal será mais duro do que o atual, criado há 72 anos. Já foi decidido que o anteprojeto criminalizará o jogo do bicho, incluirá o crime de terrorismo, dobrará o tempo mínimo de prisão exigido para a progressão de regime, qualificará o homicídio praticado por preconceito étnico ou sexual, e definirá com mais clareza e amplitude os casos de estupro.

Aborto é ponto polêmico entre as mudanças

Em pouco mais de seis meses de trabalho, os 15 juristas liderados pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça(STJ),fizeram uma profunda revisão no Código Penal e nas 126 leis posteriores a 1940, com o objetivo de unificar e modernizar as ferramentas vigentes no enfrentamento da criminalidade no país. O primeiro teste do anteprojeto, depois de pronto, será na Comissão de Constituição eJ ustiça do Senado. Embora uma eleição municipal se avizinhe, a comissão recebeu dos senadores a promessa de que o futuro código será aprovado até o fim do ano.

Não vai ser fácil. Se há praticamente um consenso no país sobre a necessidade de jogar duro contra a impunidade, outros pontos do anteprojeto podem dividir a sociedade e emperrar a votação.Um deles diz respeito ao aborto. No capítulo dos crimes contra a vida, os juristas já aprovaram que deixará de ser considerada crime a interrupção da gravidez resultante“do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida”. Também não responderá criminalmente a gestante que praticar o aborto, até a 12+ semana de gravidez, “quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade”.

—A exclusão do crime é aplicável, por exemplo, no caso de uma viciada em crack— explica o desembargador José Muiños Piñeiro, integrante da comissão. No mesmo capítulo, promete polêmica a inclusão de dois novos artigos sobre a eutanásia. No primeiro, o anteprojeto abre para o juiz a possibilidade de não aplicar a detenção de dois a quatro anos, prevista para este tipo penal, se ficar demonstrado que o réu matou, por piedade ou compaixão, “pessoa imputável em estado terminal, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave”.Desligar os aparelhos que mantêm paciente vivo também deixará de ser crime, desde que fique demonstrado que a doença era irreversível e que havia consentimento do doente ou de alguém apto a decidir por ele.

Antes de aprovar as mudanças,a comissão testou a ira de grupos religiosos em audiência públicas convocadas para ouvir a sociedade sobre a reforma. Internamente, contudo, o grupo está coeso na intenção de atenuar os crimes de aborto e eutanásia. O mesmo consenso não se repete nos chamados crimes sem violência ou grave ameaça. Uma parte da comissão resiste à ideia de criminalizar ou aumentar as penas, temendo que o anteprojeto seja cunhado de encarcerador. Ainda mais se tratando de um país com problemas crônicos de superlotação de presídios.

O detalhe é que, entre os delitos sem violência, estão justamente os crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro, além de tráfico de drogas, organizações criminosas e crimes cibernéticos. A próxima audiência pública está prevista para os dias 12 e 13, em Aracaju (SE). Só depois disso, prova- velmente na semana seguinte, a comissão se reunirá para bater o martelo sobre os crimes envolvendo corrupção. — Hoje, a única legislação disponível é a Lei da Improbidade, que é cível. Não prevê prisão para o servidor que enriquece ilicitamente — lamenta Muiños Piñeiro.

Até o dia 25 de maio, data de entrega do anteprojeto ao Senado, a comissão fará outras duas audiências públicas. A primeira será no Rio, dia 14 de maio. A segunda acontecerá em Porto Alegre.Propositalmente, foi deixado para a capital fluminense o debate sobre outra inovação prevista no novo código: a tipificação do crime de milícia, já que, no momento, as autoridades judiciárias precisam recorrer a artigos diversos para buscar a punição dos criminosos envolvidos coesse tipo de quadrilha.