Título: ONU alerta para hora da verdade na Síria
Autor: Annan, Kofi
Fonte: O Globo, 11/04/2012, Mundo, p. 30
ONU alerta para 'hora da verdade' na Síria
Bombardeios e pelo menos 52 mortes sinalizam que governo Assad ignora o cessar-fogo proposto por Kofi Annan
NOVA YORK e MOSCOU. A ação do Exército da Síria e a morte de ao menos 52 pessoas - entre elas 28 civis - deixaram à beira do colapso a única proposta diplomática em curso para pôr fim a 13 meses de conflito na Síria. A presença das forças de segurança nas ruas de diversas cidades das províncias de Hama e Idlib indicava que o governo do presidente Bashar al-Assad ignoraria o cessar-fogo proposto pelo enviado especial da ONU e da Liga Árabe, Kofi Annan, previsto para entrar em vigor ontem. E o fracasso do plano arrastou a diplomacia internacional de volta ao terreno arenoso do impasse. O governo sírio fez novas exigências para cumprir o acordo; a oposição acusou Damasco de uma posição irreal, e o Conselho de Segurança voltou a buscar refúgio na retórica.
- A visão dos Estados Unidos é a de que isso é um acinte. Mas não é inesperado ou surpreendente que o governo sírio, mais uma vez, faça acordos para quebrá-los depois - disse a embaixadora americana na ONU, Susan Rice, na Presidência rotativa do conselho.
Annan espera por segundo prazo para a trégua
Dizendo-se "seriamente preocupada", Rice acrescentou, ainda, que em breve o órgão de 15 países poderá ter que "enfrentar uma hora da verdade" sobre a necessidade de aumentar a pressão sobre a Síria - comentário interpretado por analistas como um recado velado a Rússia e China, responsáveis por bloquear duas tentativas de resolução contra o regime sírio.
Arquiteto do plano de paz, Kofi Annan, por sua vez, tentava manter algum otimismo. Em carta dirigida ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ele lembrou que, apesar de o fim das hostilidades ter sido agendado para ontem, ele dera, na semana passada, mais dois dias para que todas as tropas do governo voltassem à caserna, estabelecendo às 6h de 12 de abril - amanhã - como prazo final.
- Não há mais tempo a perder. Devemos pressionar pelo fim do banho de sangue antes que a Síria mergulhe no abismo. O plano ainda está sobre a mesa, e estamos todos lutando para implementá-lo - insistiu ele, em visita a refugiados na Turquia.
A manutenção da violência irritou os opositores sírios. E as novas exigências feitas pelo governo Assad nos últimos dias também. Damasco havia pedido a Annan garantias de que a oposição armada também se recolheria e de que o regime teria o poder de aprovar previamente os monitores internacionais a serem enviados para observar a trégua no país - o que foi considerado ontem "inaceitável e irreal" pelo Conselho Nacional Sírio (CNS), a maior facção política da dissidência.
- Recebemos uma mensagem muito direta do regime, a de que de pretende ampliar a ofensiva em vez de começar a cumprir o cessar-fogo - declarou a porta-voz do CNS, Bassma Kadmani.
Exército Livre da Síria promete ataques em 48h
A tensão evidenciou, ainda, outro ponto nevrálgico da oposição: a falta de coordenação entre a dissidência política e a armada, formada na Turquia por militares desertores. Na província turca de Hatay, o Exército Livre da Síria (ELS) prometeu retomar as atividades armadas contra o regime caso as Forças Armadas da Síria não deixem as ruas.
- Estamos comprometidos com o calendário de Kofi Annan e vamos manter a postura defensiva, sem atacar as forças do regime. Mas, se não pararem os bombardeios e retirarem os tanques, vamos intensificar nossas atividades e lançar ataques para defender o nosso povo - ameaçou o coronel Kassem Saadeddine.
A tensão diplomática, porém, não parecia intimidar o governo sírio - mesmo diante de alfinetadas de seus mais fiéis aliados. Em Moscou, o chanceler sírio, Walid al-Muallem, disse que seu governo "retirou tropas de algumas províncias, apesar do terrorismo, e permitiu a entrada de mais de 28 jornalistas, em conformidade com o plano de Annan". Mas, a seu lado, o equivalente russo, Sergei Lavrov, deu sinais de irritação clara.
- Dissemos aos colegas sírios que achamos que as ações deles devem ser mais ativas, mais decisivas para implementar o plano - afirmou Lavrov, lembrando, no entanto, da necessidade de que a oposição também baixe as armas.
A China também fez um apelo para que Damasco se comprometa com o plano e, de Paris, saíram declarações duras.
- As declarações da Chancelaria síria são uma nova expressão de uma mentira flagrante e inaceitável - disse o ministro da Defesa da França, Alain Juppé.