Título: Cobrança de responsabilidade
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 11/04/2012, Economia, p. 17

Cobrança de responsabilidade

Em reunião na Casa Branca com Obama, Dilma critica política expansionista dos EUA

A presidente Dilma Rousseff cobrou ontem a responsabilidade dos EUA com o processo de recuperação da economia global, em reunião com seu colega Barack Obama, na Casa Branca. Enquanto o americano adotou um tom diplomático na declaração conjunta, no Salão Oval, optando pelo enaltecimento das relações entre os dois países e sem se aprofundar nos tópicos da reunião, Dilma criticou a politica monetária expansionista dos países ricos, afirmando que elas valorizam as moedas das nações em desenvolvimento e comprometem seu crescimento.

Depois, em entrevista à imprensa, Dilma foi ainda mais explícita: a tsunami monetária (excessiva disponibilidade de dinheiro aos mercados pelos bancos centrais) "exporta para os emergentes a crise dos países ricos".

- Consideramos que o papel dos EUA nesse mundo multilateral que vem surgindo é muito importante. A grande flexibilidade da economia americana, a liderança na área de tecnologia e inovação tida pelos EUA e ao mesmo tempo as forças democráticas americanas tornam importante os EUA tanto na contenção da crise quanto na retomada - afirmou Dilma ao lado de Obama, que não esboçou reação.

Esse foi um dos dois únicos temas polêmicos entre os dois países na reunião, que durou uma hora e meia, o dobro do previsto. O outro foi o cancelamento da compra de 20 Super Tucanos da Embraer pelo Pentágono: a presidente disse ao americano que é preciso "derrubar barreiras". Mas ela não relatou o que ouviu do colega. Segundo Dilma, ela e Obama não falaram da compra de caças pela Força Aérea Brasileira ou sobre politica nuclear do Irã.

Dilma defende

Cuba em cúpula

Também não houve discussão sobre apoio à candidatura do Brasil a uma vaga permanente ao Conselho de Segurança da ONU. Na declaração conjunta, foi dito apenas que os países "expressaram seu apoio a uma expansão limitada do Conselho de Segurança", e que Obama "reafirmou seu apreço à aspiração do Brasil de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança e reconheceu as responsabilidades globais assumidas pelo Brasil".

Segundo a presidente, ela e Obama debateram o que é necessário fazer para que a retomada do crescimento global ocorra de forma sustentável. O Brasil expôs a preocupação com a emissão desenfreada de moeda pelos EUA e com as políticas fiscais restritivas que vêm sendo praticadas pelos ricos em geral, que impedem investimentos. São dois os efeitos desta prática: valorização das moedas dos países emergentes, ceifando sua competitividade, e inflação de ativos:

- Os EUA, nesse mundo multipolar, têm importância estratégica para o mundo. A responsabilidade é compartilhada. Ninguém pode dizer que não tem nada a ver com isso.

Segundo a presidente Dilma, Obama admitiu que esta combinação é perversa. E só:

- Ninguém questiona se existem esses efeitos. Só não se discute isso.

A presidente disse que tem uma relação boa com Obama, mas sem alinhamento automático:

- Tenho tido com o presidente Obama uma relação de alta qualidade, tenho de reconhecer isso, muito clara e muito sensível. Temos pontos de convergência? Vários. Mas temos também pontos em que não convergimos, pois cada um representa uma nação diferente e não podemos acreditar, principalmente nós que somos as duas maiores democracias do continente, que todo mundo é Joãosinho, o Joãosinho do passo certo. Todo mundo anda no mesmo passo. Não somos Joãosinho do passo certo. Nem do passo errado.

No encontro com Obama, Dilma mencionou ainda a guerra cambial e o aumento do protecionismo global, ao dizer que esta é uma agenda importante para o crescimento latinoamericano e será central na Cúpula das Américas, neste fim de semana. A participação de Cuba na Cúpula das Américas também fez parte da conversa. Dilma deixou claro que ela comunicou a Obama isso como um fato. Mas não explicou se estava se antecipando a uma resolução que os demais chefes de Estado anunciarão no encontro, em Cartagena, Colômbia, ou se foi incumbida de dar o recado antecipadamente pelos demais colegas.

Indagada sobre o que Obama respondeu sobre a participação de Cuba, Dilma afirmou:

- Obama não disse nada, não era uma pergunta. Não tinha o que dizer.

O presidente americano foi mais comedido em sua declaração, que durou dez minutos, a metade do tempo de Dilma. Ele ressaltou que os dois países fizeram "extraordinário progresso" em suas relações desde o ano passado, quando ele fez uma visita oficial ao Brasil, em março. Além do "crescimento expressivo" dos níveis de comércio e investimento e das trocas em comércio e inovação, educação e ciência, ele vê hoje uma parceria entre os países de um tipo "que não se via no passado".

Obama afirmou ainda que o Brasil é um ator importante no setor energético global, na produção de petróleo e gás, e tem sido "um líder extraordinário" no desenvolvimento de biocombustíveis:

- Os EUA esperam ser não só um grande consumidor do petróleo brasileiro, mas também queremos cooperar numa gama muito ampla de projetos energéticos - disse Obama, em referência a um dos três temas prioritários dos diálogos de alto nível permanentes entre os dois países.

Mais tarde, em reunião com empresários na Câmara de Comércio dos Estados Unidos, Dilma defendeu um modelo de parceria entre Brasil e EUA com ênfase em inovação, ciência e tecnologia. Dilma voltou a criticar a política monetária expansionista dos países desenvolvidos, como uma modalidade de protecionismo:

- O desafio que se coloca ao Brasil e aos EUA é uma parceria à altura do século 21. Acredito muito nas relações entre governos e empresários. Esta relação de diálogo é importante para o combate à crise e a retomada do desenvolvimento econômico.

A presidente discursou durante 33 minutos para uma plateia lotada e, no fim, passou cerca de meia hora conversando a portas fechadas com empresários americanos.