Título: Petróleo é alvo do populismo de Kirchner
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Fonte: O Globo, 18/04/2012, Opinião, p. 6

Opetróleo não é tratado no mundo como uma simples mercadoria, uma matéria-prima comum. Como responde por parcela considerável da matriz energética do planeta e tem sua produção concentrada em poucas nações (várias das quais situadas em áreas sob permanente tensão), o petróleo entra no rol das questões estratégicas e acaba sendo motivo de exploração política.

Não há outro setor em que companhias estatais tenham ainda participação tão expressiva. A concorrência no mercado internacional é prejudicada pela existência de um grande cartel de países exportadores, reunidos na Opep, que controla a oferta de óleo cru. Investimentos nessa indústria costumam também ser submetidos a restrições ou tutela governamental.

Na América Latina o petróleo serviu de pano de fundo, por décadas a fio, para apelos populistas, com a demagogia se aproveitando, muitas vezes, do nacionalismo sincero. Houve avanços e retrocessos, mas sem dúvida, hoje, o mercado é mais aberto no continente, o que contribuiu para uma considerável expansão da produção.

A Argentina, mergulhada em crises econômicas e institucionais, foi pioneira nesse processo de abertura, chegando inclusive a privatizar a YPF. Na ocasião, o setor público havia perdido completamente sua capacidade de investimento, e o país estava sob ameaça de um colapso energético.

A abertura lá ficou meio pelo caminho, pois o petróleo, seus derivados e o gás natural permaneceram sob severo controle de preços. O resultado é que os investimentos na indústria petrolífera argentina têm sido aquém do que os necessários, o que é motivo de desentendimento entre empresas e governantes, inclusive provinciais.

A solução que a presidente Cristina Kirchner buscou para o conflito foi a pior possível. No lugar do atual controlador, o grupo espanhol Repsol, o governo reassumirá a YPF. Nada garante - e, pelo histórico de iniciativas semelhantes, a tendência é até piorar, a exemplo do que ocorreu na Bolívia e na Venezuela - que administradores nomeados pelo governo serão mais capazes que os profissionais contratados pelos espanhóis. Empresas petrolíferas têm mais facilidade de crédito do que de outros setores em geral, mas, diante da insegurança jurídica patrocinada pelo governo Kirchner, a YPF conseguirá levantar no mercado a quantidade de recursos de que precisa, em condições razoáveis?

A Espanha, fragilizada por sua situação econômica crítica, não está em posição que lhe permita promover retaliações. A própria União Europeia, igualmente fragilizada, pouca ajuda poderá dar à Espanha nessa disputa. É evidente que a presidente Cristina Kirchner se aproveitou desse enfraquecimento para pôr em prática o ato populista, apelando para o sentimento patriótico argentino. Não por acaso, há poucos dias se rememorou a tragédia que foi a Guerra das Malvinas.

A Argentina é o mais importante parceiro do Brasil no Mercosul, e os dois países têm planos de integração energética. A Petrobras tem presença marcante no mercado argentino. É preciso ficar atento aos desdobramentos da malfadada decisão de Kirchner, pois trata-se de um retrocesso.