Título: Oportunismo ou estratégia?
Autor: Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 18/04/2012, Economia, p. 24

Lia Valls Pereira

O projeto de lei que estatiza a YFP deverá ser aprovado no Congresso argentino. A principal justificativa para a expropriação das ações da Repsol (principal acionista da YPF) é a falta de investimentos, o que teria levado a Argentina a um déficit na balança comercial do setor energético desde 2010. Críticos da estatização culpam a política de controle de preços do petróleo, a partir de 2003, que inibiu planos de expansão da produção. Outra leitura vê no processo de estatização uma estratégia nacionalista para assegurar o desenvolvimento de reservas estratégicas do país. Afinal, a Argentina possui a terceira maior reserva de xisto do mundo. Aliada a essa estratégia está o aumento das medidas protecionistas da indústria nacional.

No caso da Argentina, no entanto, não se trata de uma estratégia articulada, que parta de um diagnóstico dos entraves ao crescimento do país onde se defenda a opção nacionalista. As medidas de proteção, a estatização dos fundos de pensão e agora da YFP respondem às restrições que o país enfrenta para obter capital no mercado mundial, no campo econômico. No campo político, junto com o tema das Malvinas, serve para atender parte do eleitorado que ainda se prende a uma agenda do "nacionalismo do passado".

Nesse sentido, o governo argentino está mais próximo a um "oportunismo nacionalista" do que um "desenvolvimento nacionalista". Se o objetivo era aumentar a produção do setor energético, o "interesse nacional" seria mais bem atendido com investimentos do próprio governo ou com a criação de um marco regulatório que induzisse o setor privado a investir. O controle de preços com fins de mascarar a inflação num período de forte elevação do preço do petróleo no mercado internacional não foi uma boa saída. O intrigante dessa história é como a presidente Cristina Kirchner, que deve se reeleger, pretende sair da armadilha que ela própria criou. Foi criado um ambiente de insegurança jurídica que não trará tão cedo novos investimentos. Além disso, os conflitos que irão se seguir com a Espanha, apoiada pela UE, sobre o valor devido da expropriação são inevitáveis.

O presidente de Governo da Espanha, Mariano Rajoy, em seu discurso no Fórum Econômico Mundial da América Latina, que está ocorrendo em Puerto Villarta, México, afirmou que a decisão argentina também é prejudicial para toda a América Latina. Como entender isso? Em nossa opinião, duas leituras são possíveis. A decisão cria um precedente que os investidores temem possa ser repetido na região, num momento em que a economia mundial vive uma incerta recuperação de crescimento. A ameaça "velada" é que esperem menos investimentos europeus na região latina. Uma segunda leitura se dirige a países como o Brasil. Os investimentos europeus não vão diminuir, mas entendam que precisamos do apoio dos líderes regionais para coibir essas ações na região. Se a UE apoia a Espanha, o Brasil, como membro do Mercosul, pode articular/promover um espaço para um debate que minimize a situação de conflito. Afinal, o fortalecimento do Mercosul requer estabilidade econômica para toda a região. O problema aqui é que os interesses nacionais já superam há algum tempo a união do Mercosul.

LIA VALLS PEREIRA é pesquisadora da Ibre/FGV e professora da Uerj