Título: Morosidade da Justiça eleitoral versus trânsito em julgado
Autor: Prates,Anamaria
Fonte: Correio Braziliense, 14/09/2009, Opinião, p. 15

Mestre em direito

Debate importante nos últimos dias referente à cassação de governadores diz respeito ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidir apear os governantes antes do trânsito em julgado. Em verdade, tal medida determina que, mesmo havendo recursos, o candidato não continuará no cargo. A questão deve ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à luz do princípio da presunção de inocência.

A legislação eleitoral brasileira e a própria interpretação do STF devem resolver um paradoxo que já foi evidenciado pelo ministro Marco Aurélio, no Mandado de Segurança 25.458. Acompanhado pelo ministro Eros Grau, Marco Aurélio faz uma diferenciação entre cassação de registro e cassação de diploma. Segundo ele, a cassação de registro ocorre por meio de pronunciamento judicial, em que o candidato não pode visar à eleição. Por seu lado, a cassação de diploma ocorre em pleno curso do mandato, ¿estando o representado no exercício respectivo, como ocorreu¿, conclui.

O relator indeferiu a segurança ao entender que ¿surge incongruente emprestar-se à Lei nº 9.504/97 alcance mais rigoroso do que o previsto na lei das elegibilidades...¿. O ministro Marco Aurélio concluiu o voto ressaltando que ¿a possível morosidade da Justiça não pode conduzir a interpretação que encerre verdadeiro paradoxo¿.

O objetivo deste artigo é chamar a atenção para o tema ventilado pelo ministro. O fundamento inicial é ter a ciência de que a ordem cronológica da eleição é a seguinte: 1) candidato elegível é escolhido na convenção partidária; 2) tem seu registro na Justiça Eleitoral (que pode sofrer impugnação); 3) eleição; 4) diplomação (que pode sofrer impugnação); e 5) posse. A sequência de atos acima transcrita tem fundamento na teoria do ato-condição, ou seja, se qualquer dos atos iniciais for invalidado, os subsequentes a ele também o são ¿ o caso de perda de mandato por infidelidade partidária ataca exatamente a escolha do candidato para o partido.

Os operadores do direito eleitoral têm prazos exíguos, exatamente pela necessidade de provimento jurisdicional célere, e não podem retirar a segurança jurídica e a proteção do trânsito em julgado como remédio para morosidade natural. A cassação de registro deve ter o trânsito em julgado até, no máximo, a data da diplomação. Se a Justiça não consegue cumprir os prazos e o ex-candidato, já empossado, começa a praticar atos, deve haver a proteção do trânsito em julgado para cassá-lo.

Com muito mais razão deve haver a proteção do trânsito em julgado na diplomação, uma vez que, nesse caso, a perda do direito deve ser precedida de decisão final da Justiça transitada em julgado. Não se pode querer fazer justiça violando direitos e garantias constitucionais sob o argumento de que maus políticos serão beneficiados pela morosidade do Poder Judiciário. Deve ser chamada a atenção de que, ao contrário do que pensam aqueles que não leram detidamente a Ação Direta de Inconstitucionalidade ¿ ADI 3.592-4/DF, o STF não decidiu, peremptoriamente acerca da necessidade de trânsito em julgado para perda de mandato.

Na leitura dos votos, verifica-se que, tão somente, foi indicado que o artigo 41-A, da Lei n° 9.504/97, não criou nova hipótese de inelegibilidade. Por isso, a questão ainda está por ser enfrentada pelo TSE e pelo STF. De toda a forma, a instância do Supremo Tribunal Federal como via ordinária, no caso, não pode ser suprimida. Por isso, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, que sumariamente retiram governadores dos cargos, não podem ter execução antes de julgamento de recurso extraordinário, sob pena de igualar o julgamento de um prefeito ao de governadores e de retirar desses cargos a possibilidade de recurso à Corte constitucional antes da perda dos mandatos. Por fim, não se pode, a pretexto da celeridade de julgamento, determinar uma insegurança jurídica nos estados que têm sofrido com alterações na máquina administrativa, enquanto, ainda, tramitam os recursos cabíveis.