Título: Araxá era núcleo financeiro de Cachoeira
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 25/04/2012, O País, p. 10

BRASÍLIA. No final da primeira metade do século passado, Araxá era famosa pelo vistoso cassino. Hoje, a cidade mineira desponta como um dos núcleos financeiros da organização do bicheiro Carlinhos Cachoeira para disseminar o jogo de azar. Interceptações telefônicas e de e-mails, feitas pela Polícia Federal, revelam a existência de pelo menos cinco empresas da família Cachoeira - ou de seus sócios - na cidade, e identificam ainda que parte da contabilidade da jogatina era comandada do Triângulo Mineiro. Até contrato de coleta de lixo, sob suspeita de irregularidade, foi fechado entre a prefeitura e uma empresa cujo representante legal era o próprio Cachoeira.

O principal representante da família em Araxá é Paulo Roberto de Almeida Ramos, o Paulinho, irmão do bicheiro. Em junho de 2011, a Justiça determinou as quebras de sigilo fiscal e bancário dele e de suas cinco empresas instaladas na cidade: Sucos People Ltda., Paulo Roberto de Almeida Ramos Cia. Ltda., Araxá Factoring Comercial Ltda., Ramos Almeida Ltda. e Lotoara.

Bet Capital emprestou

R$ 9,9 milhões a Cachoeira

Aparentemente, Paulinho é um empresário da construção civil. Porém, a PF indica que ele e seu filho Thiago atuariam na operação da rede de jogos eletrônicos estruturada Brasil afora. Em Araxá, nasceu a mãe de Carlinhos, Maria José de Almeida Ramos, que morreu na semana passada.

Uma das principais empresas que atuavam na jogatina eletrônica, a Bet Capital já teve como sócios Sebastião Ramos, o Júnior, irmão de Carlinhos, e Lenine Araújo de Souza, braço-direito do contraventor. A Bet Capital tinha uma filial de fachada em Anápolis, mas sua conta bancária era de Araxá.

Relatório da Operação Monte Carlo mostra que o próprio Carlinhos Cachoeira declarou que pediu empréstimo de R$ 9,9 milhões à Bet Capital. Mas, segundo a PF, as operações feitas na cidade não foram declaradas pela empresa e, em 2009, os "empréstimos não são suportados pela contabilidade da empresa e não passam por bancos nacionais, se de fato existirem". Depois dos "empréstimos", a Bet Capital se descapitalizou e foi declarada extinta em 2010.

A Bet Capital fechou negócio para a coleta de lixo em Araxá, que, segundo o Ministério Público, causou um prejuízo de R$ 619 mil. O contrato foi firmado na gestão como prefeito do atual vice-presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), Antônio Leonardo Lemos de Oliveira. Um dos sócios da Bet Capital é a Bet. CO., com sede na Coreia, diz a PF. O ex-prefeito diz que não conhece Cachoeira e que o contrato não tem relação com o bicheiro. Segundo ele, a Justiça ainda não aceitou a denúncia apresentada pelo MP, e existe uma contestação sobre o valor do reajuste aplicado na prestação do serviço.

De Araxá, os Cachoeira ainda operavam 88 terminais com o sistema "Cocadinha", desenvolvido para gerenciar o modelo de apostas do jogo do bicho. O "Cocadinha" funcionava com quatro funções: operacional, movimentação diária, configuração e relatório. Todos relacionados ao jogo de azar. O sistema, esmiuçado no relatório da Monte Carlo, também era usado em Anápolis (GO) e na região do entorno do Distrito Federal, em Goiás, pontos de referência da organização da jogatina.

O mesmo sistema operacional foi motivo de conversas da organização, quando o grupo discutia a estruturação do jogo no Paraná. Em interceptação telefônica de agosto de 2011, Lenine discute com um intemediário, Miguel Marrua, a implementação do "Cocadinha" no estado. O interesse em ampliar os negócios fica patente quando o argentino Roberto Coppola, tido pela PF como consultor de Cachoeira no Uruguai e na Argentina, comemora o resultado das eleições de 2010 no Paraná, em Santa Catarina e em Mato Grosso. A comemoração ocorreu em mensagem a Adriano Aprígio, testa de ferro de Carlinhos e irmão de sua ex-mulher.

Os governadores dos três estados, Beto Richa (PR), Raimundo Colombo (SC) e Silval Barbosa (MT), reagiram à citação de seus nomes. Richa e Colombo negaram qualquer intenção de legalizar os jogos em seus estados. O paranaense assegurou ainda que "não conhece, nunca falou e não tem qualquer relação com as pessoas de Roberto Coppola ou Adriano Aprígio de Souza". Já Silval Barbosa apenas ironizou: "Trata-se de uma conversa de boteco, entre dois malucos".