Título: Boa saída para a Lei Seca
Autor: Cardozo, José Eduardo; Pereira, Marivaldo
Fonte: O Globo, 21/04/2012, Opinião, p. 7

A aprovação do projeto de lei que altera a Lei Seca foi um passo fundamental para resgatar a efetividade da atuação do poder público para garantir a segurança no trânsito.

Após o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça de que a comprovação do crime de embriaguez ao volante somente pode se dar por meio do teste de bafômetro ou de exame de sangue, a alteração da legislação para repressão desse tipo de conduta tornou-se inadiável.

Para os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização do trânsito, a existência de mecanismo que assegure a punição do condutor que dirige embriagado é essencial para prevenir a ocorrência de acidentes e mortes nas rodovias e estradas de todo o país.

Embora tenha sido objeto de duras críticas, a decisão adotada pelo Superior Tribunal de Justiça tem embasamento na fragilidade existente no texto da lei em vigor. O art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.705, de 2008, conhecida como Lei Seca, define o crime de embriaguez ao volante nos seguintes termos: "conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência".

Interpretado à luz das garantias constitucionais que servem como parâmetro para a aplicação do direito penal, o crime de embriaguez ao volante somente pode ser configurado quando comprovada a concentração de álcool por litro de sangue do condutor igual ou superior a seis decigramas. Tal comprovação, por sua vez, depende de teste do bafômetro ou de exame de sangue, os quais não podem ser realizados sem a colaboração do motorista.

Como ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, a possibilidade de responsabilização penal do condutor flagrado embriagado fica bastante limitada. Dados da Polícia Rodoviária Federal demonstram que, em 2011, quase metade das pessoas abordadas pela autoridade de trânsito por apresentar sinais de embriaguez recusou-se a fazer o teste do bafômetro.

O número de condutores que se nega a fazer o teste de alcoolemia com o intuito de se livrar da punição penal vem aumentando nos últimos anos, passando de 17,33%, em 2009, para 41,52%, em 2011.

É exatamente essa situação a ser enfrentada com a alteração da Lei. De acordo com a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, passará a ser crime conduzir veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão do consumo de álcool ou de outras drogas. Dessa forma, a aferição da concentração de álcool no sangue deixará de ser a única forma de atestar a embriaguez, passando a serem admitidos também os sinais que demonstrem que o motorista não está em condições de dirigir com segurança.

O projeto de lei aprovado admite expressamente o uso de vídeos, testemunhas, perícia, exame clínico ou qualquer outra prova em direito admitida para comprovar a embriaguez ao volante.

Além de atacar o problema da prova, o projeto também traz outra medida para desestimular motoristas a assumirem o volante após ingerir bebida alcoólica. De acordo com o texto, a multa aplicada ao condutor flagrado dirigindo embriagado, hoje fixada em R$ 957,69, passa para R$ 1.915,38. Em caso de reincidência no período de até doze meses, a mesma multa será aplicada em dobro, chegando a R$ 3.830,76.

As mudanças aprovadas pela Câmara dos Deputados são resultado de um consenso entre representantes do governo federal, do Congresso Nacional e de órgãos de trânsito de todo o país.

A solução apresentada é o caminho mais acertado para restabelecer a efetividade da chamada Lei Seca e, ao mesmo tempo, aumentar o rigor das medidas para prevenir, reprimir e punir aqueles que colocam em risco pedestres e demais condutores ao insistir na mistura de álcool e direção.

JOSE EDUARDO CARDOZO é ministro da Justiça

MARIVALDO PEREIRA