Título: Entidades criticam discussão entre ministros
Autor: Brígido,Carolina
Fonte: O Globo, 21/04/2012, O País, p. 10

Ayres Britto defende Supremo e rebate acusação de Barbosa de que Peluso teria manipulado resultados de julgamentos

BRASÍLIA. Entidades de magistrados e advogados avaliam que é o Supremo Tribunal Federal (STF) quem perde com o bate-boca entre os ministros da Corte. Em defesa do Supremo, o presidente do tribunal, ministro Carlos Ayres Britto, negou ontem que haja manipulação no resultado de julgamentos da Corte. Em entrevista ao GLOBO, o ministro Joaquim Barbosa acusou seu colega, Cezar Peluso, presidente do tribunal até quinta-feira, de ter alterado a proclamação de julgamentos ao longo de sua gestão. Para Ayres Britto, é impossível que isso tenha ocorrido.

- Os julgamentos aqui têm uma dinâmica, uma lógica própria. O relator dá seu voto, a matéria é colocada em discussão, colhem-se os votos dos ministros. Ao proferir os resultados, acho impossível manipular o resultado. Como manipular o resultado? Manipular o resultado é alterar o conteúdo da decisão. Impossível manipular o conteúdo da decisão. Impossível manipular o resultado porque, se ele proferir um resultado desconforme o conteúdo da decisão, ele está desconsiderando o voto de cada um dos ministros. O voto é soberano - disse o novo presidente do STF.

Segundo Ayres Britto, por ser mais enfático, Peluso muitas vezes tentou convencer colegas de seu ponto de vista. Outra vezes, equivocou-se ao proclamar um resultado. No entanto, jamais anunciou um resultado contrário à votação - até porque os ministros protestariam na hora.

- O que pode acontecer e tem acontecido é um presidente mais enfático às vezes, entre o voto dele e a proclamação do resultado, tentar reverter o quadro. Natural isso. Mas isso não é manipulação de resultado. Eu nunca vi aqui e nunca verei um presidente alterar o conteúdo da decisão, porque aí os outros protestariam. Outra coisa que pode acontecer é o presidente se equivocar na proclamação do resultado. Acontece muito, é involuntário isso. Aí, o presidente recua. Manipular, para mim, não é problema, nunca houve e nunca vai haver - afirmou.

Ayres Britto negou que haja racismo no STF. Ao GLOBO, Joaquim Barbosa acusou Peluso de tratá-lo de forma diferenciada devido à cor de sua pele. O presidente da Corte anunciou que na próxima quarta-feira, primeira sessão de julgamentos que presidirá, será julgada uma ação sobre cotas raciais no ensino superior.

- Nunca vi isso aqui. Somos contra o racismo por dever. O racismo é contra a Constituição - disse Ayres Britto.

Pessoas próximas a Peluso entendem que o tom forte das declarações de Barbosa dá razão ao ex-presidente do STF na querela. Já os que têm proximidade com Barbosa acham que suas palavras foram precisas e que agradou a todos atingidos pelas críticas de Peluso na entrevista ao site "Consultor Jurídico".

Fora do Supremo, a troca de farpas entre Peluso e Barbosa também teve repercussão. As declarações de Barbosa - que chamou o colega de ridículo, brega, caipira, corporativo, desleal, tirano e pequeno - foram feitas depois que Peluso concedeu entrevista ao "Consultor Jurídico". Peluso afirmou que Barbosa tem temperamento difícil, é inseguro e que tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o STF não pelos méritos, mas pela cor.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, os dois são "magistrados de extremo valor", mas exageraram nas críticas, fruto de um momento de tensão. Calandra destacou que muitas vezes os magistrados não estão preparados para falar com a imprensa.

- Eu não vejo nenhuma procedência nessas críticas. Eu acho que isso está muito mais pautado pela emoção de um e outro que pela realidade. Eu acho que há um exagero. Eu costumo dizer que nós juízes nos preparamos a vida inteira para ser juiz. Mas, em instante algum, nós nos preparamos para utilizar as ferramentas de comunicação, a imprensa, a internet. E disso surge às vezes uma coisa até pouco pensada das pessoas com o repórter, e começa a falar como se estivesse dentro de casa. E isso provoca evidentemente sérios conflitos. Uma coisa é você falar a sua opinião na sua casa, outra coisa é publicar no jornal, ainda mais num jornal como O GLOBO - disse Calandra.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, lamentou a briga entre os dois ministros pela imprensa.

- No discurso em plenário, a respeito de teses jurídicas, onde um pode exacerbar numa colocação ou noutra, são perfeitamente admissíveis (as críticas). Entretanto, situações como essa, do ponto de vista pessoal, de agressão, não são compatíveis com a História do Supremo ou da magistratura brasileira. Por isso, a Ordem conclama que os ministros deixem essas questões, considerações pessoais para si próprios, que resolvam isso entre eles. Mas que não deem esse mau exemplo à nação. Isso efetivamente não colabora para que haja o respeito ao Supremo Tribunal Federal - afirmou Cavalcante.